30 de mai. de 2016

Saiba mais sobre o vício da inveja, chamada de “cárie dos ossos”

No que consiste esse vício? Na tristeza por causa do bem alheio. Tanquerey, no seu Compêndio de Teologia Ascética e Mística, salienta que o despeito causado pela inveja é acompanhado de uma constrição do coração, que diminui a sua atividade e produz um sentimento de angústia. O invejoso sente o bem de outra pessoa "como se fosse um golpe vibrado à sua superioridade". Não é difícil perceber como esse vício nasce da soberba, a qual, como explica o fa­moso teólogo Frei Royo Marín, O.P.,"é o apetite desordenado da excelência própria". A inveja "é um dos pecados mais vis e repugnantes que se possa cometer", faz questão de sublinhar o dominicano.
Da inveja nascem diversos pecados, como o ódio, a intriga, a murmuração, a difamação, a calúnia e o prazer nas adversidades do próximo. Ela está na raiz de muitas divisões e crimes, até mesmo no seio das famílias (basta lembrar a história de José do Egito). Diz a Escritura: "Por inveja do diabo, entrou a morte no mundo"(Sb 2, 24). Paulo Eduardo Roque Cardoso
Eduardo Roque CardosoAqui está a raiz de todos os males de nossa terra de exílio. O primeiro homicídio da História teve esse vício como causa: "... e o Senhor olhou com agrado para Abel e para sua oblação, mas não olhou para Caim, nem para os seus dons. Caim ficou extremamente irritado com isso, e o seu semblante tornou-se abatido"(Gn 4, 4-5).
Esse vício comporta graus. Quando tem por objeto bens terrenos (beleza, força, poder, riqueza, etc.), terá gravidade maior ou menor, dependendo das circunstâncias. Mas se disser respeito a dons e graças concedidas por Deus a um irmão, constituirá um dos mais graves pecados contra o Espírito Santo: a inveja da graça fraterna.
"A inveja do proveito espiritual do próximo é um dos pecados mais satâ­nicos que se pode cometer, porque com ele não só se tem inveja e tristeza do bem do irmão, mas também da graça de Deus, que cresce no mundo", comenta Frei Royo Marín.
Todas essas considerações devem gravar-se a fundo em nossos corações, fazendo-nos fugir desse vício como de uma peste mortal. Alegremo-nos com o bem de nossos irmãos, e louvemos a Deus por sua liberalidade e bondade. Quem agir assim notará, em pouco tempo, como o coração estará sossegado, a vida em paz, e a mente livre para navegar por horizontes mais elevados e belos. Mais ainda: tornar-se-á ele mesmo alvo do carinho e da predileção de nosso Pai Celeste.

Por Monsenhor João S. Clá Dias, EP.

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25 de mai. de 2016

Fique por dentro dos horários das Missas na Sede dos Arautos

Dia 26/05 - Quinta-feira - Festa de Corpus Christi

15:30 hrs - Adoração ao Santíssimo Sacramento

17:00 hrs - Santa Missa (Pe. Leonardo Bazarra, EP)

Atenção: haverá atendimento de confissões ao longo de todo o dia. 


Dia 27/05 - Sexta-feira

20:00 hrs - Santa Missa na sede dos Arautos do Evangelho


Atenção: haverá atendimento de confissões ao longo de todo o dia. 


Dia 28/05 - Sábado

9:30 hrs - Santa Missa na sede dos Arautos do Evangelho

19:30 hrs - Santa Missa na sede dos Arautos do Evangelho


Dia 29/05 - Domingo

9:00 hrs - Santa Missa na sede dos Arautos do Evangelho

O caráter cristológico da devoção mariana

A natureza cristocêntrica enfática da espiritualidade de Montfort é sua maior glória. E é irrefutável a essência das verdades teológicas contidas em seus escritos.
Pe Caste.jpgPe. Juan Carlos Casté, EP
São Luís Maria Grignion de Montfort dedicou sua curta vida - faleceu aos 43 anos - a pregar missões à população rural do oeste da França.
Essa grande nação, que outrora brilhara pela piedade mariana, encontrava-se então devastada pela heresia jansenista, a qual se empenhava em diminuir o fervor na vida religiosa, sobretudo a devoção à Mãe de Deus.
Nosso Santo percebeu o perigo que isso representava para as almas e, com o coração cheio de ardor verdadeiramente profético, começou a pregar uma terna e fervorosa devoção a Nossa Senhora, como perfeito antídoto a todos os males espalhados pela heresia. E quase ao fim de sua vida pôs por escrito a substância do que havia ensinado: o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem.
Apesar de o autor ser, sobretudo, um missionário popular, esta obra - como as outras por ele escritas nos seus poucos tempos livres - tem um altíssimo valor teológico, enraizado a fundo nas Sagradas Escrituras, na Tradição da Igreja, nosVirgen con el Nino_.jpgSantos Padres e nos grandes teólogos medievais e contemporâneos dele.
É de fato um livro com notas proféticas. "São Luís Grignion de Montfort foi, neste processus histórico, um verdadeiro profeta. No momento em que tantos espíritos ilustres se sentiam inteiramente tranquilos quanto à situação da Igreja, embalados num otimismo displicente, tíbio, sistemático, ele sondou com olhar de águia as profundezas do presente, e predisse uma crise religiosa futura, em termos que fazem pensar nas desgraças que a Igreja sofreu durante a Revolução [Francesa], isto é, a implantação do laicismo de Estado, o estabelecimento da ‘Igreja Constitucional', a proscrição do culto católico, a adoração da deusa razão, o cativeiro e morte do Papa Pio VI, os massacres ou deportações de Sacerdotes e Religiosas, a introdução do divórcio, o confisco dos bens eclesiásticos, etc. Mais ainda. Para alento e alegria nossa, o Santo profetizou uma grande e universal vitória da Religião Católica em dias vindouros".1

A voz dos Papas
A obra de São Luís Grignion contou com o aval e o apoio do Magistério da Igreja, sendo recomendada por diversos Papas.
Cingindo-se apenas aos Sumos Pontífices que aprovaram expressamente a doutrina desse grande santo, o padre Nazario Pérez, SJ, menciona o Bem-aventurado Pio IX, o qual em 1853 declarou "imunes de todo erro"2 a totalidade dos seus escritos. E continua:
"Leão XIII, que o beatificou em 1888, concedeu indulgência plenária a quem, segundo a fórmula do Beato Montfort, fizesse ou renovasse a sua consagração a Jesus por Maria no dia da Imaculada Conceição e no dia 28 de abril, festa do Santo; concedeu também indulgências à primeira Confraria de Maria, Rainha dos Corações, que se fundou em Otawa, em 1899.
"São Pio X teve muita estima pelo Tratado da Verdadeira Devoção e confessou duas vezes [...] que se inspirara nele para escrever a Encíclica mariana Ad diem Illum. Concedeu também ‘muito de coração e com vivo afeto a bênção apostólica a quem lesse o Tratado tão admiravelmente composto pelo Beato Montfort'".3 No discurso pronunciado ao conceder o decreto para a canonização do então Beato Montfort, Pio XII o compara ao seu compatriota São Bernardo, "aludindo sem dúvida, nessa comparação, à doutrina mariana".4
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Mesa de trabalho de São Luís Maria
Grignion de Montfort - Saint-Laurent-sur-Sèvre (França)
Mais recentemente, o Beato João Paulo II manifestou-se diversas vezes sobre a excelência da espiritualidade desse grande santo. Narra, por exemplo, como lhe foi valioso o encontro com o Tratado num momento de hesitações: "Foi então que veio em minha ajuda o livro de São Luís Maria Grignion de Montfort, o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Nele encontrei a resposta às minhas perplexidades. Sim, Maria aproxima- nos de Cristo, conduz- -nos a Ele, com a condição de que se viva o seu mistério em Cristo. [...] A essência das verdades teológicas nele contidas é irrefutável. O autor é um teólogo de classe. Seu pensamento mariológico está enraizado no mistério trinitário e na verdade da Encarnação do Verbo de Deus. [...]
Assim, graças a São Luís, comecei a descobrir todos os tesouros da devoção mariana, a partir de um ângulo, de certa forma, novo".5

Uma profecia realizada
Porém, como toda obra de Deus, esse livro encontrou a oposição do demônio. O próprio Santo o havia previsto.
São Luís Grignion escreveu o Tratado na fase final de sua vida. Pouco antes de morrer, entregou o manuscrito ao padre Mulot, a quem escolhera como sucessor e executor testamentário. Este conhecia o tesouro que recebera. Os padres da Companhia de Maria se inspiraram nele para suas missões e pregações, mas "não se sentiram com ânimo de publicá-lo, por ser-lhes necessário solicitar o Privilégio do Rei, indispensável para a publicação de qualquer obra", 6 e havia na Corte de Versalhes personagens de alto poder político, relacionados com os jansenistas e jansenizantes, portanto, hostis à Congregação fundada pelo padre Montfort.
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Beato Pio IX

Sobreveio a tormenta da Revolução Francesa, que se manifestou claramente anticristã. Começaram as perseguições e assassinatos de sacerdotes e religiosas. À vista disso, os padres Montfortianos entregaram os objetos de valor existentes em suas casas, entre os quais o manuscrito de São Luís, a uns camponeses, para serem escondidos. Estes os devolveram quando amainou a tempestade revolucionária, em fins do século XVIII.
No dia 22 de abril de 1842 - 126 anos após a morte do Santo -, o padre Rautureau, montfortiano, procurando material para preparar uma homilia, encontrou um manuscrito numa caixa cheia de livros velhos. Ao lê-lo, percebeu o espírito do padre Montfort e o mostrou ao superior, padre Dalin, o qual reconheceu perfeitamente a letra do fundador da Congregação.7
Em princípios de 1843 saiu a lume a primeira publicação do Tratado. Cumpria-se assim uma profecia nele escrita: "Prevejo que animais furiosos se precipitarão para despedaçar com seus dentes diabólicos este pequeno livro e aquele de quem serviu-Se o Espírito Santo para escrevê-lo, ou ao menos para envolvê-lo nas trevas e no silêncio de uma arca, a fim de evitar sua publicação. Inclusive, atacarão e perseguirão aqueles e aquelas que o lerem e procurarem pôr em prática".8
O manuscrito não está completo. Os editores que o estudaram a fundo para publicar as obras completas de São Luís Grignion calcularam que faltam de 84 a 96 páginas no início, as quais versariam sobre o tema da "Preparação para o Reino de Cristo". Julgam faltar também algumas páginas no fim, onde o Autor teria escrito uma "fórmula de consagração" e a "bênção das correntes".9
Devoção cristológica e trinitária
Os primeiros tópicos do Tratado são já um verdadeiro programa que ele desenvolverá ao longo da obra. Parece-nos interessante ressaltar com o padre Alphonse Bossard, SMM, algumas analogias entre esses pontos, o discurso de Paulo VI no encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II e a Constituição Dogmática Lumen Gentium.
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Leão XIII

Escreve o padre Bossard: "Montfort primeiro vai fundamentar e explicar uma convicção que ele tem como central: já que Deus quis que Maria nos fosse necessária (cf. Tratado, n.1-59), impõe-se a todos uma verdadeira devoção a Ela".10
"Para Montfort, não se pode tratar de pôr em primeiro lugar o mistério de Maria, mas simplesmente de sublinhar que, sem uma referência à sua Mãe, não é possível ter pleno acesso ao mistério de Jesus e vivê-lo. Isso afirmou Paulo VI no discurso de encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II, ampliando- o ao mistério da Igreja: ‘O conhecimento da verdadeira doutrina católica sobre Maria constituirá sempre uma chave para a exata compreensão do mistério de Cristo e da Igreja'".11
Pouco antes, no mesmo discurso acima citado pelo padre Bossard, ressaltara Paulo VI que a Lumen Gentium "tem como vértice e coroamento um capítulo inteiro dedicado a Nossa Senhora", acrescentando logo a seguir: "Com efeito, é a primeira vez - e dizê-lo enche-nos a alma de profunda emoção - é a primeira vez que um Concílio Ecumênico apresenta síntese tão vasta da Doutrina Católica acerca do lugar que Maria Santíssima ocupa no mistério de Cristo e da Igreja".12
Nesse sentido, afirma o padre Alberto Rum, SMM: "Com o famoso Capítulo VIII sobre Nossa Senhora, o Concílio Vaticano II parece ter confirmado o valor teológico e ascético da espiritualidade mariana de Montfort".13
Ao contrário do que pensam alguns, Nossa Senhora é tema vivo e atuante para o Concílio, como o é também para São Luís Grignion. Observa com acerto o padre Rum: "Para o Concílio, a doutrina mariana não é uma massa errática no mundo da divina Revelação, nem um sistema fechado em si mesmo na ordem da teologia católica, nem um valor à parte na vida do espírito. A presença de Maria é, ao contrário, uma presença viva no Credo, no pensamento e na vida do Povo de Deus [...]. Tratado e Concílio oferecem assim uma mesma e idêntica mensagem mariana". 14 Continua o mesmo autor: "Poder-se-ia dizer que o Concílio retoma em linguagem moderna o pensamento mariano do santo missionário".15
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Beato Pio IX,Leão XIII,São Pio X, Pio XII e, muito especialmente, o Beato João
Paulo II deram o aval pontifício à obra de São Luís Maria Grignion de Montfort
No trecho acima, o padre Alberto Rum parece ecoar estas palavras da Lumen Gentium: "A Igreja, meditando piedosamente na Virgem, e contemplando-A à luz do Verbo feito homem, penetra mais profundamente, cheia de respeito, no insondável mistério da Encarnação, e mais e mais se conforma com o seu Esposo. Pois Maria, que entrou intimamente na História da Salvação, e, por assim dizer, reúne em Si e reflete os imperativos mais altos da nossa Fé, ao ser exaltada e venerada, atrai os fiéis ao Filho, ao seu sacrifício e ao amor do Pai".16
A Jesus por Maria
Segundo a Cristologia ensinada por Grignion de Montfort, é sempre através da Virgem que chegamos a Jesus. Quanto mais se conhecer Maria, mais conhecido será Jesus. Não pode, pois, haver receio de desagradar ao Filho, amando verdadeiramente sua Mãe. Pelo contrário!
‘"Jesus Cristo veio ao mundo por meio da Santíssima Virgem Maria, e é também por intermédio d'Ela que Ele deve reinar no mundo' (Tratado, n.1). Aí se encontram a finalidade cristológica, essencial para Montfort; a dimensão missionária, pois trata-se de estabelecer o Reino de Cristo; e a referência à Encarnação: Aquela por quem Jesus veio ao mundo deve continuar cooperando em seu triunfo permanente. É, portanto, necessário concentrar- se em conhecer Maria em verdade, para melhor conhecer a Jesus Cristo, e reconhecer-Lhe todo o espaço que Deus mesmo quis que Ela tivesse, para chegar o Reino de seu Filho".17
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"São Luís Maria Grignion de Montfort"
Nave principal da Basílica
de São Pedro
No fiat de Maria Santíssima se revela todo o desejo de Deus de salvar a humanidade por meio d'Ela. Afirma a Constituição Dogmática Lumen Gentium: "Maria, filha de Adão, dando o seu consentimento à palavra divina, tornou-Se Mãe de Jesus e, não retida por qualquer pecado, abraçou de todo o coração o desígnio salvador de Deus, consagrou-Se totalmente, como escrava do Senhor, à pessoa e à obra de seu Filho, subordinada a Ele e juntamente com Ele, servindo pela graça de Deus onipotente o mistério da Redenção".18
Pouco adiante, acrescenta o mesmo documento conciliar: "Esta maternidade de Maria na economia da graça perdura sem interrupção, desde o consentimento, que fielmente deu na Anunciação e que manteve inabalável junto à cruz, até a consumação eterna de todos os eleitos".19
Convém ter em vista que a Lumen Gentium é um dos mais importantes documentos emanados do Concílio Vaticano II, a ponto de ter ser sido qualificada de "o coração do Concílio".20
E São Luís escreve em seu Tratado: "A conduta das Três Pessoas da Santíssima Trindade por ocasião da Encarnação e primeira vinda de Jesus Cristo, Elas a mantêm todos os dias na Santa Igreja, de modo invisível, e a manterão até a consumação dos séculos, na última vinda de Cristo".21
Por isso, conclui o padre Alberto Rum no citado artigo: "Nesta teologia mariana da salvação, o Concílio encontra um motivo para convidar os fiéis a uma devoção mariana cristocêntrica, que se conjuga mais intimamente com o Mediador e Salvador, Cristo Jesus. Por sua parte, a espiritualidade mariana de São Luís de Montfort está centrada no mesmo mistério da Encarnação e de nossa pertença a Jesus Cristo Senhor e Redentor".22
Devoção cristológica e trinitária
Devemos ressaltar, sobretudo, o caráter eminentemente cristológico e trinitário dessa importante obra de São Luís. "A natureza cristocêntrica explícita e enfática da espiritualidade de Montfort é sua maior glória. O missionário apostólico se esforça muito por mostrar que só Jesus é o fim, pois Maria é ‘infinitamente inferior a seu Filho' (Tratado, n.27). A primeira verdade sólida da devoção a Maria deve ser que apenas Cristo é o fim último de todas as devoções (Tratado, n.60-62)".23
Ele nos ensina que a finalidade da devoção por ele pregada, ou seja, a escravidão de amor a Jesus pelas mãos de Maria Santíssima, é a instauração do Reino de Cristo, que não é outra coisa senão a renovação das promessas do Batismo. E Ela, a Virgem, é o melhor meio para chegar a nosso último fim: a união com Jesus.
"Para conhecer Maria tal como Deus A fez e tal como no-La dá, Montfort nos leva a contemplar a missão que o Senhor Lhe confiou na realização do mistério da Encarnação Redentora, com todas as suas consequências. Montfort descreve primeiro a relação íntima de cada uma das Pessoas divinas com Maria para realizar a vinda do Verbo na carne, pela Encarnação (Tratado, n.16). Depois, seguindo sempre este esquema trinitário, mostra como o Pai, o Filho e o Espírito Santo estendem a sua ação com Maria, para que a Encarnação produza seus efeitos em nós".24
Para Jesus ser conhecido, precisa ser conhecida Maria
Encontramos no tópico 13 do Tratado o fundo do pensamento contido em sua introdução: "Meu coração ditou-me tudo quanto acabo de escrever, com particular alegria, para demonstrar que a divina Maria tem sido desconhecida até agora, e que esta é uma das razões pelas quais Jesus Cristo não é conhecido como deve ser. Se pois, como é certo, o conhecimento e o Reino de Cristo hão de chegar ao mundo, isso não acontecerá senão por uma consequência necessária do conhecimento e do Reino da Santíssima Virgem Maria. Ela O trouxe ao mundo na primeira vez e O fará resplandecer na segunda".25
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"Cristo Rei" - Igreja de Nossa Senhora da
Assunção, New Orleans
(Estados Unidos)
O livro se destina, pois, a propagar a devoção a Nossa Senhora para que venha o Reino de Cristo. A razão teológica pela qual o Reino de Cristo será precedido pelo reinado de Maria, São Luís a coloca no tópico 1 do Tratado: "Jesus Cristo veio ao mundo por meio da Santíssima Virgem Maria, e é também por seu intermédio que Ele deve reinar no mundo".26 Ou seja, se Maria Santíssima não tivesse vindo ao mundo, Cristo também não teria vindo, e a devoção a Ele deve vir ao mundo por intermédio d'Ela. Difundir a devoção à Mãe de Deus é, pois, nesta perspectiva, a maior obra a que um homem pode se dedicar.
A perfeita devoção a Maria é fundamental para a instauração do Reino de Cristo
Este objetivo de São Luís se presta desde logo a um comentário. "O santo missionário se propõe preparar o futuro Reino de Cristo, fazendo o que lhe parece mais essencial, mais importante, mais urgente, que na ordem concreta dos fatos produzirá quase que automaticamente o resto: difundir a perfeita devoção a Maria".27 A restauração da civilização sobre os princípios da Igreja Católica não será, portanto, resultado de uma ação política, de obras sociais, de talento, de ciência. "O começo da restauração de todas as coisas está na piedade, no fervor da vida interior, está propriamente nos fundamentos religiosos da vida de um povo. O apostolado essencial é de caráter estritamente religioso, afervorar, formar na piedade, formar caracteres; o restante é consequência; são complementos importantes - é verdade - mas complementos. E a grande lição que São Luís fixa já no início do Tratado e desenvolve extensamente depois, é a de que na formação dos caracteres a condição básica e indispensável é a devoção a Nossa Senhora.
"Possuindo-a [esta devoção] verdadeiramente, os caracteres terão todos os meios sobrenaturais necessários para que, com a correspondência da vontade, floresçam. Se não se forma esta devoção, o próprio regime da expansão da graça na alma fica comprometido, e nada será possível conseguir. Portanto, a devoção a Nossa Senhora é condição necessária para tudo quanto
diga respeito à salvação individual, à salvação da civilização e a salvação eterna de todos quantos constituem, em dado momento, a Igreja militante".28
São Luís tinha, pois, em mente, uma obra da mais alta importância para a renovação dos séculos futuros. A nós cabe ter um desejo ardente de possuir essa perfeita devoção a Nossa Senhora. Atrevo-me a dizer mais: ela é indispensável aos sacerdotes que desejam trabalhar seriamente pela glória de Deus e salvação das almas. O Tratado não é um livro qualquer de piedade, é uma obra monumental do ponto de vista teológico e mariológico que prega uma devoção absolutamente essencial, sobretudo para os nossos tempos.
Ninguém pode compreender por inteiro a excelsitude da Mãe de Deus
Como dissemos acima, São Luís afirma que Maria Santíssima é desconhecida. Ou seja, Ela é muito menos conhecida do que suas excelências e seus admiráveis predicados exigem. Em sua obra, ele explicará o motivo pelo qual Ela quase não é mencionada nos Evangelhos.
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"São Luís Maria Grignion de Montfort"
Basílica de Saint-Laurent-sur-Sèvre
(França)
"Para atender aos pedidos que Ela Lhe fez de escondê-La, empobrecê-La e humilhá-La, aprouve a Deus mantê-La oculta aos olhares de quase todas as criaturas humanas, em seu nascimento, em sua vida, em seus mistérios, em sua ressurreição e assunção. Seus próprios parentes não A conheciam; e com frequência os anjos perguntavam-se uns aos outros: ‘Quæ est ista? - Quem é esta? (Ct 3, 6; 8, 5), pois o Altíssimo A escondia; ou, se algo lhes revelava, ocultava-lhes infinitamente mais".29 Os Santos Evangelhos quase não se referem a Ela. Por isso a teologia precisou fazer, através dos séculos, um admirável trabalho de dedução das verdades contidas na Escritura, para ressaltar o papel da Mãe de Deus.
Montfort dá duas razões pelas quais Maria passou sua vida praticamente sem aparecer nos Evangelhos: sua humildade e sua transcendência.
Humildade: "Com efeito, Maria é a mulher ideal, e como tal, Ela devia ter assinalada predileção pela modéstia, o mais belo ornato da mulher. Ela é ademais a santa por excelência, e então a humildade se impõe absolutamente. Quanto mais se eleva o edifício da santidade, mais profundas devem ser as bases da humildade". 30
Transcendência: Ela é única na ordem da graça, foi predestinada desde toda a eternidade para uma missão singular e exclusiva: ser a digna Mãe do Redentor. Maria é Imaculada, suas relações com a Santíssima Trindade são especialíssimas, e seu papel na História da Salvação é capital.
"Ela pertence a uma ordem especial, única no mundo sobrenatural, a ordem da maternidade divina, intermediária entre a da união hipostática e a da graça e da glória. É, pois, impossível aplicar-Lhe os métodos ordinários do raciocínio humano, por via de deduções rigorosas. Ela é domínio exclusivo da soberana liberalidade e da onipotente liberdade de Deus. Nosso dever é somente admirar e mostrar a conveniência do que aprouve a Deus fazer. Montfort adota a posição dos que A admiram. Mais ainda, ele afirma no tópico 5, e prova nos tópicos seguintes (6 a 12), que, exceto Deus, ninguém pode compreender Maria tanto quanto é possível compreendê- La".31
Como podemos ver, o Tratado é de uma profundidade mariológica que poucos alcançaram. (Revista Arautos do Evangelho, Outubro/2011, n. 118, p. 18 à 25)
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Maria é Imaculada. Suas relações com a Santíssima Trindade são especialíssimas,
e seu papel na História da Salvação é capital.


"Coroação de Nossa Senhora" - Basílica de Santo Antônio, Pádua (Itália)

23 de mai. de 2016

Preparação para a Consagração a Maria Santíssima

São Luis Maria Grignon de Monfort
Por meio da maternal intercessão de Nossa Senhora junto a Seu Divino Filho, mais católicos buscam conhecer, realizar e renovar – anualmente – sua Consagração a Jesus Cristo pelas mãos de Maria, conforme o método de S. Luís Maria Grignion de Montorft, expresso na obra “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”. Enquanto momento antecedente à Consagração ou renovação o Santo propõe que se façam exercícios espirituais de preparação para esta ocasião tão solene.
Em que consistem as orações que devem preceder a Consagração?
No capítulo VIII do Tratado, a partir do n. 219 (1) (a página pode variar conforme a edição), São Luís trata da importância de algumas práticas exteriores:
“226. Se bem que o essencial desta devoção consista no interior, ela conta também práticas exteriores que é preciso não negligenciar; tanto porque as práticas exteriores bem feitas ajudam as interiores, como porque relembram ao homem, que se conduz sempre pelos sentidos, o que fez ou deve fazer; também porque são próprias para edificar o próximo que as vê, o que já não acontece com as práticas puramente interiores.
São Gregório Magno - papa
Nenhum mundano, portanto, critique, nem meta aqui o nariz, dizendo que a verdadeira devoção está no coração, que é preciso evitar exterioridades, que nisto pode haver vaidade, que é preferível ocultar cada um sua devoção, etc. Responde-lhes com meu Mestre: ‘Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus’ (Mt 5,16). Não quer isso dizer, como observa S. Gregório, que devamos fazer nossas ações e devoções exteriores para agradar aos homens e daí tirar louvores, o que seria vaidade; mas fazê-las às vezes diante dos homens, com o fito de agradar a Deus e glorificá-lo, sem preocupar-nos com o desprezo ou os louvores dos homens”. (2)
A partir do n. 227 São Luís explica com muita propriedade quais os propósitos dessas práticas exteriores: São 33 dias de preparação, consistindo em 12 dias preliminares, seguidos por três semanas. Nas reuniões preparatórias à Consagração, esses exercícios espirituais são detalhados, ocasião em que se fornece material para orientar as meditações.
No sentido de disponibilizar aos que farão ou renovarão a Consagração um resumo dos exercícios, apresentamos abaixo o esquema de datas e orações.
Em caso de dúvida, sempre podem nos contatar (link para e-mail de contato) ou buscar esclarecimentos nas respectivas reuniões com os formadores.
(As datas específicas para início dos exercícios variam conforme o calendário da Consagração. Em geral, os exercícios devem começar sempre com 33 dias de antecedência à Consagração).

Doze Dias preliminares:
Nossa Senhora esmaga a serpente infernal sobre o globo terrestre
Tema da meditação: empregados em “desapegar-se do espírito do mundo, contrário ao de Jesus Cristo”. (n.227)
Orações: “Vem, ó Criador Espírito” e “Ave do Mar Estrela”. – a partir da p. 259 (3)
Período:  A definir, iniciando-se estas orações sempre 33 dias antes da data prevista para a Consagração.

Primeira Semana:
São Pedro chora junto a Nossa Senhora

Tema da meditação: “Durante a primeira semana aplicarão todas as suas orações e atos de piedade para pedir o conhecimento de si mesmo e a contrição por seus pecados”. (4)
Orações: Ladainha do Espírito Santo e Ladainha de Nossa Senhora. A partir da pág. 264.
Período: Inicia-se imediatamente após os 12 dias preliminares.



Segunda Semana:
Tema da meditação: “Durante a segunda semana, aplicar-se-ão em todas as suas orações e obras cotidianas, em conhecer a Santíssima Virgem”. (5)
Orações: Ladainha do Espírito Santo; Ave, do Mar Estrela e um rosário ou ao menos um terço.
PeríodoNa sequência da primeira semana.

Terceira Semana:
Tema da meditação: “A terceira semana será empregada em conhecer Jesus Cristo”. (6)
Orações: Ladainha do Espírito Santo; Ave, do Mar Estrela; Oração de Santo Agostinho (p.71 do Tratado); Ladainha do Santíssimo Nome de Jesus; Ladainha do Sagrado Coração de Jesus. (a partir da pág.273)
Período: Na sequência da segunda semana, deve terminar na véspera do dia da Consagração.
Para fazermos bem este ato solene de entrega, devemos fazer a preparação espiritual. Assim, S. Luís nos introduz no gosto pela oração; tal qual o curso de um rio que depois percorrer muitos caminhos deságua finalmente no mar; assim também nós, após nosso “curso”, imploramos a graça de Deus para, finalmente, desaguar nas águas ternas e abundantes da verdadeira devoção à Nossa Senhora. Nas palavras do Santo, “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria”. (7)



(1) São Luís Maria G. de Montfort. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. 43ª. Ed. Petrópolis: Vozes, 2013.
(2) Idem, ibidem.
(3) Ed. 43ª. O número da página pode variar conforme a edição do Tratado.
(4) Idem, p.221
(5) Idem, p. 222
(6) Idem, p. 223.
(7) Idem, p. 32.

Faça sua inscrição gratuita no curso de consagração à Virgem Santíssima: início de turma dia 25 de maio

Novas turmas para o breve curso de Consagração à Virgem Santíssima vão começar na sede dos Arautos do Evangelho, em

21 de mai. de 2016

Primeiras imagens de Nossa Senhora de Fátima, entalhadas no mundo

JORNAL JOÃO SEMANA - 15/05/2016

TEXTO: Manuel Pires Bastos


O Imaculado Coração de Maria
Quando, em 1942, se tornou conhecida a revelação do Imaculado Coração de Maria e a devoção dos primeiros sábados pedidas por Nossa Senhora a Lúcia em Pontevedra (13/06/1925 e 15/02/1926) e em Tuy (13/06/1929), as Religiosas do Sagrado Coração de Maria (R.S.C. de Maria) quiseram editar uma estampa correspondente à aparição. Recorrendo às Irmãs Doroteias, e conseguindo de Lúcia informações importantes, fizeram uma montagem fotográfica a partir das aparições e um esboço definitivo, por ela corrigido e que foi aprovado em dezembro de 1943 pelo Cardeal Patriarca e pelo Bispo de Leiria. Deste trabalho resultaria também a Imagem Peregrina, benzida em 13 de maio de 1947.
Tendo Madre Chantal, Superiora das R.S.C.M., chamado a Lisboa, em abril de 1944, o escultor José Ferreira Thedim, com o objetivo de colocar em cada um dos seus colégios uma estátua do Coração de Maria[1], tudo parecia indicar que seria finalmente cumprido o desejo das Irmãs, felizes por verem ligados à mensagem de Fátima o nome e a ação do seu Instituto[2].
Não podendo José Thedim aceitar a encomenda da escultura pretendida, obrigaram-se as Irmãs do S.C.R. de Maria a procurar outro artista, que lhes forneceu uma imagem diferente, que passou a presidir ao seu Colégio de Lisboa. Paulo Eduardo Roque Cardoso

Fig. 1 - Desenho do Coração Imaculado de Maria, com correções (do manto, das mãos, do coração), feitas a lápis, da Irmã Lúcia (1943), respeitadas por José Ferreira Thedim na 1.ª versão (ao lado)
Fig. 2 - A 1.ª imagem do Coração Imaculado de Maria esculturada entre 1945/46 por José Thedim, que seguiu rigorosamente as indicações da Irmã Lúcia, e que se encontra na Igreja Matriz de Ovar 

“Perdida” e encontrada
Antunes Borges, antigo Reitor do Santuário de Fátima, num estudo sobre este tema, afirma: “Longa foi a expectativa, não chegando sequer a aparecer aquela primeira imagem que devia servir de modelo para todas as outras”.
Mas essa imagem, afinal, não desapareceu. Foi integralmente executada, exibindo todos os pormenores sugeridos pela Irmã Lúcia e aprovados em dezembro de 1943. Nós a identificámos em 2004, na Igreja Matriz de Ovar, com a data “1946” e o nome “Casa França”, do Porto, onde foi adquirida, em 1946, por uma família ilustre e devota de Ovar, como contributo para as comemorações do Tricentenário da Padroeira nesta vila.
 Por despacho de 8/6/1946, o Bispo do Porto, D. Agostinho de Jesus e Sousa, permitiu que “a imagem do Coração de Maria da Igreja Paroquial de Ovar fosse substituída por uma outra maior e melhor, que concentre as duas devoções na mesma imagem: Senhora de Fátima e Imaculado Coração de Maria – segundo revelação de Fátima”.

A primeira em Portugal
Em 1949 José Ferreira Thedim apresentou
uma 2.ª versão da imagem do Imaculado
Coração de Maria
O Padre Ribeiro de Araújo esclarece que essa imagem, “executada segundo indicações da vidente de Fátima, Lúcia”, foi conduzida em procissão da Capela de Santo António para a Igreja e altar do Coração de Maria, e que “ao passar diante dos Paços do Concelho procedeu-se à coroação da imagem, no meio de vibrantes cantos religiosos entoados por uma multidão de fiéis”[3].
O “João Semana” de 25/07/1946 esclarece, referindo-se à imagem, ser ela “a primeira que em Portugal de esculturou segundo as indicações da vidente de Fátima”.
Tudo permaneceu obscuro, a ponto de nem o Reitor do Santuário, Antunes Borges, vinte anos depois lhe descobrir o rasto.

Qual o verdadeiro autor?
Por nós, chegámos a aventar a hipótese de que Thedim a tenha iniciado e, depois, porque ocupado com outras tarefas, a tenha cedido à Casa França. Mera hipótese. Até porque Albano França, um artista consagrado que a assinou (embora com o nome da firma), e tendo produzido outra imagem semelhante, pouco posterior (Igreja da Sr.ª da Conceição, Porto), poderá tê-la criado, servindo-se dos esboços de que Thedim também se serviu para outros trabalhos.
Entendemos agora, após alguma pesquisa e ponderação sobre datas e compromissos de José Thedim, que após a sua ida a Lisboa, o mestre se terá descomprometido com as R.S.C. de Maria em razão dos seus contactos profissionais com os responsáveis de Fátima, já envolvidos nos preparativos para a celebração, em 1946, do Tricentenário da Padroeira de Portugal e na criação de novas imagens da Senhora de Fátima, mais lineares nas suas vestes, de acordo com a vontade da Irmã Lúcia e como já é patente no esboço aprovado pelo Cardeal Patriarca e pelo Bispo de Leiria, imagens essas que pudessem substituir a da Capelinha em previsíveis saídas devocionais, tal como acontecera na memorável visita à capital portuguesa de 9 a 12 de abril de 1942.

Imagem do Imaculado Coração de Maria
da Igreja Matriz de Ovar
Uma imagem para Lúcia
Liberto dos trabalhos que o ocuparam e querendo prendar a Irmã Lúcia na sua entrada para o Carmelo, pois sabia da vontade da vidente de ser criada uma imagem que “representasse a posição tomada por Nossa Senhora quando revelou aos Pastorinhos o seu Coração Imaculado” –, até teria preferido que fosse essa a imagem a peregrinar pela Europa em 1947[4] –, José Ferreira Thedim esculpiu, em 1948, uma imagem do Imaculado Coração de Maria, e, por esta não ter agradado totalmente à Irmã, entregou-lhe uma segunda, esta do seu total agrado, em 25/03/1949 (três anos depois da de Ovar)[5].
A propósito desta imagem, escreveu Lúcia a uma amiga (D. Maria Teresa Pereira da Cunha), em 11 de agosto de 1949:
“A imagem do Coração Imaculado de Maria não consegui que se fizesse senão após a minha vinda para o Carmelo. Todas as dificuldades desapareceram como por encanto e apenas após o tempo para o Escultor a fazer”[6].

O resto da História
Vinda de Espanha, Lúcia regressou ao Porto em 16 de maio de 1946, desconhecendo que ali mesmo, na Casa França, da Rua da Fábrica, se ultimava a belíssima imagem que ela imaginou vir a ser o modelo de todas as outras, e que, dois meses depois, partiria para Ovar, onde foi acolhida com entusiasmo, enquanto, por desconhecimento dos factos, Lúcia e a grande maioria dos devotos de Fátima, a julgaram “desaparecida”.
Marco Daniel Duarte, na sua dissertação de doutoramento “Fátima e a criação artística (1917-2007): o Santuário e a Iconografia – a arte como cenário e como protagonista de uma específica mensagem”[7], seguindo a opinião então vigente, aponta ainda a imagem do Carmelo como a primeira (de uma segunda fase iconográfica) do Imaculado Coração de Maria, referindo, no entanto, a nossa investigação de 2005:
“Vejam-se, não obstante o que dizemos, as investigações de Manuel Pires Bastos publicadas no jornal ‘João Semana’, no qual se afirma, com argumentação muito plausível, que ‘a primeira imagem [do Imaculado Coração de Maria] está em Ovar”.  
Os pastorinhos de Fátima
Lúcia de Jesus Rosa dos Santos (de dez anos)
Francisco Marto (9 anos)
Jacinta Marto (7 anos)

A um ano das comemorações do Centenário das Aparições de Fátima (1917-2017), 
Ovar orgulha-se por possuir na sua Igreja Matriz, desde 22/07/1946, 
a primeira imagem do Imaculado Coração de Maria
revelado aos pastorinhos na Cova da Iria.

Notas:
[1] Irmã Maria do Carmo, “O Instituto do Sagrado Coração de Maria e o Imaculado Coração de Maria”.
[2] Id.
[3] José Ribeiro de Araújo, “Poalhas da história da freguesia e Igreja de Ovar”.
[4] Carmelo de Coimbra, “Um caminho sob o olhar de Maria”, pág. 318.
[5] A primeira seguiu para o Carmelo de Braga, onde se encontra.
[6] Carmelo de Coimbra, “Um caminho sob o olhar de Maria”, pág. 352.
[7] Marco Daniel Duarte, “Fátima e a criação artística (1917-2007): o Santuário e a Iconografia – a arte como cenário e como protagonista de uma específica mensagem”, Coimbra, 2013. 

Artigo publicado no jornal JOÃO SEMANA (15 de maio de 2016)

20 de mai. de 2016

Primeiras imagens de N. Senhora de Fátima, entalhadas, segundo as descrições da Ir. Lúcia

TEXTO: Manuel Pires Bastos - Jornal JOÃO SEMANA

A 1.ª imagem que se fez de
Nossa Senhora de Fátima
(1920)
No início da década 40, a Irmã Lúcia foi consultada pelas religiosas do Sagrado Coração de Maria sobre a forma como Nossa Senhora estava vestida durante as Aparições e, particularmente na de 13 de Junho de 1917, quando revelou aos pastorinhos o seu Coração Imaculado.

A 1.ª imagem de N.ª Sr.ª da Fátima (da Capelinha das Aparições) data de 1920, e é da autoria de José Ferreira Thedim, que a retocou em 1951. Há uma 2.ª imagem (da Virgem Peregrina), do mesmo autor, que data de 1947. Destas imagens se trata mais desenvolvidamente em "O Culto de Fátima no Concelho de Ovar", na revista "Dunas  Temas e Perspectivas", da Câmara Municipal de Ovar.
Sobre estes temas, e em especial sobre a imagem do Coração Imaculado de Maria, Ovar tem uma importante palavra a dizer. Tão importante quanto capaz de esclarecer alguns pontos ainda em aberto nesta matéria.

Pagela de 1943 com um desenho para uma nova imagem de Nossa Senhora de Fátima,
com parecer da Irmã Lúcia e que serviu de modelo para a imagem da Virgem Peregrina,
esculpida por José Ferreira Thedim 
(espólio de Manuel Cascais de Pinho, de Ovar)

Lúcia e o Coração Imaculado de Maria

A estampa/fotografia com as correcções
feitas pela Irmã Lúcia: a cruz (a indicar a
subida da mão direita), a cercadura à volta do
coração (no lugar dos espinhos) e o franzido
do vestido e do pescoço
Foram as religiosas da Congregação do Sagrado Coração de Maria que, em Setembro de 1942, após um retiro em Fátima, sensíveis às revelações do Coração Imaculado de Maria à vidente Lúcia “ correspondentes ao 2.º segredo de Fátima (13 de Junho e 13 de Julho de 1917, na Cova da Iria) e às revelações subsequentes (17/12/1927 em Pontevedra e 13/06/1927 em Tuy), descritas, sobretudo, na 3.ª Memória (de 31/08/1941), e querendo incrementar a devoção dos primeiros Sábados nos seus colégios “, assumiram a tarefa de investigar as particularidades iconográficas da imagem, sob a orientação de Madre Maria Chantal de Carvalhaes.
Pedindo informações à Irmã Lúcia sobre a forma como Nossa Senhora revelara o seu coração aos três pastorinhos, e após vários esboços feitos quer por religiosas, quer por um artista e por fotógrafos – estes utilizando como modelo a própria imagem da Capelinha das Aparições –, foi elaborada uma composição fotográfica que, depois de apreciada pelas autoridades religiosas (Setembro de 1943) e pela Vidente, esta corrigiu pelo seu próprio punho (tal como acontecera, anos antes, com a imagem da Capelinha), acompanhada das seguintes instruções escritas:
“A mão direita mais à altura do hombro como que reflectindo, ao mesmo tempo, para os assistentes. Do lado esquerdo, o manto caindo menos para diante. O Coração com os espinhos à volta. Nem o coração, nem as mãos, nem a imagem tinha raios, era luz, reflexo. Não tinha cordão, nem facha, mas formava sinto, com algum franzido no sinto e pescoço”.
Feito novo estudo, foi este enviado à Irmã Lúcia, que sobre ele deu o seguinte parecer em 29/12/43:
“Agradeço a fetugrafia; gostei, das que tenho visto são as que mais se aproximam da realidade”. (Apreciação semelhante à da estampa aqui reproduzida em 15/04/2005).
A edição definitiva das estampas chegar-lhe-ia às mãos em Abril de 1944.

A primeira imagem… está em Ovar
Entretanto, desejando colocar uma estátua do Imaculado Coração de Maria em cada um dos colégios da sua Congregação, e querendo que fosse o mais fidedigna possível em relação às indicações fornecidas pela Irmã Lúcia, Madre Chantal chamou a Lisboa o escultor José Ferreira Thedim (Neto) de S. Mamede de Coronado, que tinha executado, em 1920, a primeira imagem de N.ª Sr.ª do Rosário de Fátima (a da Capelinha das Aparições, alterada em 1951).
É neste período (1944-1945) que, com as informações disponíveis recolhidas pelas Religiosas do Coração de Maria, Thedim dá forma à primeira escultura do Imaculado Coração de Maria.
Na revista “Fátima C 50”, Ano II, n.º 23, de 13/3/1969, pág. 10 a 14, no artigo “Como surgiu a primeira Imagem do Imaculado Coração de Maria”, o então Reitor do Santuário, Mons. Antunes Borges dá a entender ser desconhecido o percurso histórico dessa imagem:
“Longa foi a expectativa, não chegando sequer a aparecer aquela primeira imagem que devia servir de modelo para todas as outras”.
Um enigma? Cremos que agora deixará de o ser!
A 1.ª escultura do Imaculado Coração de Maria de José
 Ferreira Thedim, existente, desde 1946, na Igreja Matriz
 de Ovar, já com as correcções pedidas pela Irmã Lúcia.
 (O escultor não teve em atenção o “franzido do cinto”)
[FOTO: Fernando Pinto]

Em 1946, ano do Tri-Centenário da Padroeira de Portugal, cujas comemorações tiveram eco em todo o país, a Paróquia de Ovar encomendou à Casa França, do Porto, a expensas de uma família vareira (família Cunha), uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que substituiria a antiga imagem do Coração de Maria até então existente na Igreja Matriz e titular do altar que fora dedicado, em séculos passados, ao Espírito Santo e a N.ª Sr.ª do Pilar.
Afirma o jornal “João Semana” da época, então dirigido por um probo historiador local (o Padre Manuel Lírio), que “a nova imagem de Nossa Senhora de Fátima, com o coração segundo a revelação feita à Irmã Lúcia das Dores”(edição de 05/05/1946) é “a primeira que em Portugal se esculturou segundo as indicações da vidente de Fátima” (edição de 25/07/1946).
Embora tendo, na base, a indicação “França esc. (escultores) Porto 1946”, essa imagem deve corresponder à executada por José Ferreira Thedim, não só pelas circunstâncias do tempo e da forma da sua concepção, mas também porque era normal as oficinas de comercialização de estatuária religiosa (como a Casa França e a Casa Estrela, do Porto), aporem o seu rótulo a obras que encomendavam a outros artífices [1]Paulo Eduardo Roque Cardoso
Esta encomenda tê-la-á entendido o Artista como vantajosa, já que, satisfazendo o interesse da paróquia de Ovar, se ressarcia das despesas até aí havidas com o seu trabalho que, entretanto, ficara suspenso, em virtude da alteração iconográfica da imagem proposta pelas Irmãs do Coração de Maria.

Pormenor da 1.ª imagem do Imaculado Coração de Maria 
[FOTO: Fernando Pinto]
Pintura a óleo da Irmã Henriqueta Malheiro
Vilas Boas seguindo as últimas sugestões
da Irmã Lúcia sobre a Aparição do Coração
Imaculado de Maria (1946)
Segundo refere o “João Semana”, essa imagem do Imaculado Coração de Maria foi solenemente coroada junto à Câmara Municipal de Ovar, em 12 de Julho de 1946, após “uma entusiástica saudação a Nossa Senhora feita pelo Pároco, Padre Crispim Gomes Leite, no seu trajecto da Capela de Santo António para a Igreja Matriz, onde ficou exposta à veneração dos fiéis. No dia 14, o Bispo do Porto D. Agostinho de Jesus e Sousa, que viera, na véspera, administrar o Crisma, presidiu a uma solene procissão eucarística, durante a qual, na varanda da Câmara Municipal, consagrou o concelho de Ovar ao Coração Eucarístico de Jesus e ao Coração Imaculado de Maria.

A segunda imagem

2.ª imagem do Imaculado Coração
de Maria de José Ferreira Thedim
(1947/48). Carmelo de Coimbra

Mercê de novas investigações e de novas informações da Irmã Lúcia, terá sido proposto a José Ferreira Thedim esculpir um novo modelo, de braços mais abertos, de aspecto mais sóbrio e comunicativo, na linha da figura que, em 1946, Madre Henriqueta Malheiro, também religiosa Doroteia, acabava de realizar na tela, apresentando-a como “a verdadeira imagem da aparição do Imaculado Coração de Maria, que a vidente de Fátima conservava profundamente gravada na sua viva e colorida imaginação”[2].

A nova estátua estava pronta em 1947, porque nesse ano há referências à “recente” maquete para a monumental estátua em mármore do Imaculado Coração de Maria, destinada à fachada da Basílica de Fátima e esculpida mais tarde (entre 1956 e 1958) em Itália pelo artista norte-americano Padre Thomas McGlynn, O. P. [CLIQUE NOS LINKS A AZUL]

O Padre Thomas McGlynn ultimando
a imagem do Imaculado Coração de Maria
A estátua existente no Carmelo de Coimbra, que lhe serviu de modelo, só em 1948, dois anos após a bênção da imagem de Ovar, é que foi entronizada ali, junto ao Penedo da Saudade, em Coimbra, passando a ser considerada o modelo oficioso – e, por isso, o mais divulgado – daquela invocação (foto em cima).
Retomemos a leitura do texto de Monsenhor Antunes Borges:
“Entretanto, a Irmã Lúcia deixava as Doroteias e entrava no Carmelo de Coimbra, em Quinta-feira Santa, pelas 5 horas da manhã do dia 25 de Março de 1948. Devia ser o Carmelo de Santa Teresa que acolheria a primeira estátua do Imaculado Coração de Maria, feita à luz de todos estes longos e meticulosos estudos, acrescidos apenas de pequenos e ulteriores dados, fornecidos pela Irmã Lúcia.”
Carece de ser corrigida esta conclusão, porquanto “aquela primeira imagem que devia servir de modelo de todas as outras” existiu e existe ainda, e nunca esteve desaparecida, como imaginava Mons. Borges. Apenas ficara de reserva, talvez por acabar, na oficina do escultor, até seguir para a Casa França, no Porto, e daqui para Ovar, em 1946.

Conclusão

A Irmã Lúcia em 1945, na pose
recriada em pintura, pela Irmã
 Henriqueta assinada em 1946
A imagem de Ovar, que o “João Semana” de 25/07/1946 identifica como “a primeira que em Portugal se esculturou segundo as indicações da vidente de Fátima”, é, claramente, anterior à de Coimbra, como se pode inferir da cronologia apresentada no citado artigo de “Fátima 50”.
A imagem do Carmelo, mais tardia e mais elaborada, constitui a segunda versão escultórica do mesmo tema, apresentando novos pormenores figurativos entretanto aduzidos quer pela Irmã Lúcia, quer por interpostos artistas, através de esquissos, desenhos e pinturas.
Sem deixar de tecer elogios à beleza desta imagem, conhecida e venerada em todo o mundo cristão, vamos passar a nutrir um carinho especial por aquela que a antecedeu e que, humilde e quase rejeitada, mas também muito bela, foi acolhida com muito afecto pelo povo de Ovar, que a entronizou, em 1946, na sua Igreja Matriz.

José Ferreira Thedim
Foi durante uma pesquisa relacionada com a celebração dos 250 anos da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus em Ovar e do Cinquentenário do Congresso do Coração de Jesus nesta cidade (1955), que encontrámos nas páginas amarelecidas do jornal “João Semana” de que somos Director, as referências históricas que tornaram possível, aqui e agora, comunicar a todos os amigos e investigadores de Fátima que a primeira imagem de N.ª Senhora “com o coração segundo a revelação feita à Irmã Lúcia das Dores”, que desde 1946 se julgava perdida, foi, finalmente, “encontrada”! Em 2005.
Em Ovar. Para proveito dos amigos e devotos de Fátima, que passam a conhecer um capítulo novo do culto ao Coração Imaculado de Maria. E para espanto dos próprios vareiros que, desde há 59 anos, a veneram e amam sem saberem a sua linda história.


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Notas:
[1] Cf. Sérgio de Oliveira e Sá, “Santeiros da Maia”, Maia, 2002, pág. 120.
[Sobre a autoria da 1.ª imagem leia o texto publicado em http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2014/05/ovar-possui-primeira-imagem-do.html]

[2] “Fátima 50”, artigo citado.

Artigo publicado no quinzenário ovarense
JOÃO SEMANA (1 de Julho de 2005)
http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.com (TEXTO N.º 148)


Trechos do livro "Os grandes fenómenos da Cova da Iria - A história da primeira imagem
de Nossa Senhora de Fátima", de Gilberto Fernandes dos Santos (edição de autor, 1956)
(ver capa do livro, em cima)

fonte: http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.com.br/2014/05/ovar-possui-primeira-imagem-do.html