Evangelho
O
Reino dos Céus será também como um homem que, tendo de viajar, reuniu
seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos; a outro,
dois; e a
outro, um, segundo a capacidade de cada um. Depois partiu. Logo em
seguida, o que recebeu cinco talentos negociou com eles; fê-los
produzir, e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebeu dois,
ganhou outros dois. Mas, o que recebeu apenas um, foi cavar a terra e
escondeu o dinheiro de seu senhor. Muito tempo depois, o senhor daqueles
servos voltou e pediu-lhes contas. O que recebeu cinco talentos
aproximou-se e apresentou outros cinco: ‘Senhor - disse-lhe -,
confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco que ganhei'.
Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no
pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar- te com teu senhor'. O que
recebeu dois talentos, adiantou-se também e disse: ‘Senhor, confiaste-me
dois talentos; eis aqui os dois outros que lucrei'. Disse-lhe seu
senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te
confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor'. Veio, por fim, o que
recebeu só um talento: ‘Senhor - disse-lhe -, sabia que és um homem
duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. Por
isso, tive medo e fui esconder teu talento na terra. Eis aqui, toma o
que te pertence'. Respondeu- lhe seu senhor: ‘Servo mau e preguiçoso!
Sabias que colho onde não semeei e recolho onde não espalhei. Devias,
pois, levar meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com
juros o que é meu'. Tirai-lhe este talento e dai-o ao que tem dez.
Dar-se-á ao que tem e terá em abundância. Mas ao que não tem, tirar-seá
mesmo aquilo que julga ter. E a esse servo inútil, jogai-o nas trevas
exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes" (Mt 25, 14-30).
Os
servos fiéis passaram todo o período de ausência do senhor servindo-o
com seriedade e suspirando pelo seu retorno. Ao ouvir que ele chega e os
chama, vão céleres ao seu encontro. O servo preguiçoso, pelo contrário,
acusa-o de injusto. Sua atitude erige-se assim, em paradigma do
comportamento dos pecadores que procuram justificar suas faltas,
atribuindo a Deus a causa das mesmas.
I - SERIEDADE DE TODOS OS NOSSOS ATOS
Na
parábola dos talentos - assim como na das virgens prudentes, que a
antecede, formando com ela um conjunto - Jesus nos ensina o caminho da
felicidade eterna. Ambas têm o seu início em uma analogia: "O reino de
Deus é semelhante a...". De fato, parábola, na língua grega, significa:
comparação.
Precedendo
estas duas passagens do Evangelho, o capítulo anterior de São Mateus
nos traz a descrição do fim do mundo, saída dos lábios do próprio
Salvador. A conclusão também se faz através de uma parábola, a do "servo
mau", demitido e lançado no lugar onde "haverá choro e ranger de
dentes".
Novo prisma para a parábola dos talentos
Na
passagem do Evangelho deste domingo imediatamente anterior ao de Cristo
Rei, último do ano litúrgico, os exegetas costumam salientar as contas
que, no fim da vida, cada um de nós deverá prestar a propósito dos
"talentos" recebidos de Deus.
Os
ensinamentos de Jesus, porém, são de uma riqueza inesgotável, e podem
ser contemplados sob uma infinitude de prismas, sendo um deles - e muito
importante - a seriedade com que todo homem deve procurar cumprir a
tarefa ou exercer a função da qual foi incumbido. Sobretudo, se elas são
encomendadas, não por um senhor terreno, mas pelo próprio Deus.
Seriedade no ver, julgar e agir
Os três servos da parábola nada possuíam e ao partir de viagem, seu senhor pôs-lhes nas mãos todos os bens que lhe pertencem |
A
rapidez frenética da modernidade torna difícil a reflexão sobre os
acontecimentos cotidianos. Daí o fato de o homem contemporâneo tender à
superficialidade de pensamento e não analisar em profundidade as
conseqüências, boas ou más, de seus próprios atos.
Ora,
tudo nesta vida é sério, pois somos criaturas de Deus e "é nEle que
temos a vida, o movimento e o ser" (At 17, 28). Assim, o mais trivial
dos nossos atos tem relação com realidades altíssimas, e pode nos
acarretar graves conseqüências ou colocarnos diante de onerosas
responsabilidades, se não for devidamente executado. Por isso, essa
seriedade no exercício de uma função exige de nós, em primeiro lugar,
uma inteira objetividade. É preciso ver a realidade como ela é, sem véus
nem preconceitos, e sem permitir que seja distorcida por ansiedades ou
frenesis. Dessa coerência no ver e no julgar, emanará a seriedade no
agir. O que se tem a fazer deve ser começado logo, executado por
inteiro, sem perda de tempo e sem interrupções desnecessárias.
Somos árvores cujos frutos são pobres, secos e, freqüentemente, podres
Não
esqueçamos, entretanto, que, sem o auxílio da graça, a natureza humana é
incapaz de praticar estavelmente a própria Lei Natural, e até de fazer
algo meritório para a salvação eterna.1 Por nossa natureza decaída,
somos árvores cujos frutos são pobres, pecos e, freqüentemente, podres.
Só quando a seiva da graça circula com força no caule e nos galhos dessa árvore, alcançando até mesmo as folhagens mais distantes da raiz, produzimos frutos abundantes e bons.
Só quando a seiva da graça circula com força no caule e nos galhos dessa árvore, alcançando até mesmo as folhagens mais distantes da raiz, produzimos frutos abundantes e bons.
II - O SENHOR DISTRIBUI SEUS BENS E PARTE
"O
Reino dos Céus será também como um homem que, tendo de viajar, reuniu
seus servos e lhes confiou seus bens. A um deu cinco talentos; a outro,
dois; e a outro, um, segundo a capacidade de cada um. Depois partiu".
Os
três servos da parábola nada possuíam e, ao partir de viagem, seu
senhor põe-lhes nas mãos todos os bens que lhe pertencem: oito talentos
no total. Tratava-se de uma fortuna considerável, pois o talento não era
propriamente uma moeda, mas uma medida ideal de valor equivalente a um
lingote de prata de, mais ou menos, 30 quilos. O conjunto desse tesouro
comportava, portanto, cerca de 240 quilos do precioso metal.
Tudo o que temos vem de Deus
Sobre
este aspecto da parábola cabe já uma aplicação para nossa vida
espiritual. Cada um de nós é um servo de Deus que, de si mesmo, nada
tem.
Na
ordem da natureza, recebemos do Criador o ser que Ele ideou para nós
desde toda a eternidade, munido de determinados atributos e dons. Junto
com a existência, Ele nos deu também todos os bens necessários, tanto
materiais quanto espirituais.
De
nossos pais recebemos a geração humana, mas não a alma, a qual nos é
infundida pelo próprio Deus e elevada à vida sobrenatural pelo Batismo.
A
partir desse momento, o rico legado de Cristo para sua Igreja fica
direta e imerecidamente à nossa inteira disposição: sua doutrina, os
sacramentos, as graças, os benefícios decorrentes dos seus méritos, etc.
Os dons são distribuídos de forma desigual
Cabe
também salientar que, ao distribuir os talentos entre os servos, o
senhor da parábola o faz de forma desigual: para um dá cinco; para
outro, dois; para o terceiro, um. Sendo o dono, ele pode repartir sua
própria fortuna do modo que achar melhor, e, neste caso, distribuiu "de
acordo com a capacidade de cada um". Perante essa diferença, os três
servos agem bem.
Os
dois últimos não reclamam pelo fato de ter sido dado mais ao primeiro;
os que têm menos não ficam com inveja do que recebeu mais, e este não
despreza os outros dois. Sabem claramente que tudo é do senhor. São
meros administradores, e cada qual deverá prestar contas na proporção do
valor que lhe foi confiado. Não há, portanto, motivo para inveja,
queixa ou, menos ainda, revolta.
Assim
devemos fazer também nós que somos servos do Senhor Nosso Deus. Ao
receber dEle dons, não nos cabe perguntar se outros receberam menos ou
mais, mas aplicar-nos em retribuir-Lhe da forma mais completa, segundo
as nossas próprias aptidões, estando sempre prontos a prestar contas
desses talentos, e perguntando-nos freqüentemente: "O que faço com os
benefícios que de Deus recebi?".
Deus outorga os dons em função de sua própria glória
Deus,
ao distribuir seus dons entre nós, seus servos, não se atém a critérios
humanos, mas o faz segundo seu beneplácito, visando sua própria glória.
Os
dons naturais ou espirituais que Ele nos outorga não vêm pautados pelos
nossos desejos, aptidões ou méritos. Pelo contrário, Deus nos dota de
qualidades em função da glória que para nós reservou no Céu. Assim,
nossa inteligência, vontade e sensibilidade, nossa mentalidade e nosso
caráter nos são dados com vistas ao trono que devemos ocupar na
eternidade.
Nossa
natureza e nosso espírito são por Ele preparados para receber os dons
sobrenaturais com que quer nos ornar, e todas as graças e benefícios com
os quais Ele nos enche ao longo da vida estão orientados nesse mesmo
sentido.
O talento era uma medida ideal de valor equivalente a um lingote de prata de, mais ou menos , 30 quilos |
Deus,
ao fazer-nos filhos adotivos seus, nos chama a sermos manifestações
dEle próprio, assim como a participarmos de sua glória. Por isso, diz
São Paulo aos Coríntios: "A cada um é dada a manifestação do Espírito
para proveito comum. A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria;
a outro, uma palavra de ciência, por esse mesmo Espírito, a outro, a
fé, pelo mesmo Espírito; a outro, a graça de curar as doenças, no mesmo
Espírito; a outro, o dom de milagres; a outro, a profecia; a outro, o
discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro,
por fim, a interpretação das línguas.
Mas um e o mesmo Espírito distribui todos esses dons, repartindo a cada um como lhe apraz" (I Cor 12, 7-11).
Somos membros de um só corpo
Logo
a seguir, o Apóstolo acrescenta: "Como o corpo é um todo tendo muitos
membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo,
assim também é Cristo" (I Cor 12, 12).
A
Igreja, com efeito, forma um corpo no qual cada membro tem uma função
diferente. Deus adapta as graças às diversas funções e exige que cada um
se aplique, na sua finalidade específica, dentro desse Corpo Místico.
Diz
São Paulo: "A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a
outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos
cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de
Cristo" (Ef 4, 11-12). E São Pedro exorta: "Como bons dispensadores das
diversas graças de Deus, cada um de vós ponha à disposição dos outros o
dom que recebeu" (I Pd 4, 10).
Cada
um de nós tem, portanto, uma missão específica. E não podemos querer -
por egoísmo, ou por ambicionar uma função que não nos foi atribuída -
prejudicar a harmonia desse conjunto criado por Deus em sua infinita
Sabedoria.
III - AUSÊNCIA DO SENHOR
"Logo
em seguida, o que recebeu cinco talentos negociou com eles; fê-los
produzir, e ganhou outros cinco. Do mesmo modo, o que recebeu dois,
ganhou outros dois. Mas, o que recebeu apenas um, foi cavar a terra e
escondeu o dinheiro de seu senhor".
O
senhor parte e, "logo em seguida", o primeiro servo se põe em ação,
indicando-nos claramente que nunca devemos perder tempo no serviço do
Senhor. A partir do recebimento do uso da razão, devemos entregar-nos à
causa de Deus e trabalhar unicamente por ela. E, assim que cada um de
nós se dá conta de qual é sua missão específica e quais as
responsabilidades a ela inerentes, deve começar a agir sem demora,
utilizando todos os dons que a Providência lhe deu para cumpri-la nesta
vida.
Amor à autoridade que dá a tarefa
É
necessário - como anteriormente vimos - que, ao assumirmos uma função
ou ao sermos incumbidos de qualquer tarefa, desempenhemo-nos com senso
de responsabilidade, com seriedade e diligência. Mas não só.
Por
cima do objetivo concreto do nosso trabalho, considerado em si mesmo,
devemos amar a legítima autoridade que nos deu o encargo, sobretudo
quando se trata de um superior religioso. Neste caso, a nossa
responsabilidade deixa de ser meramente material para elevar-se a um
nível mais alto, dentro do qual o amor ao superior deve ser o motor
eficazmente dinâmico na execução da tarefa. O bom andamento do serviço e
a própria realização do objetivo proposto estarão em função desse amor.
Afastemos
de nós o equívoco de julgar que apenas os monges, os sacerdotes ou as
religiosas de um instituto de vida consagrada se encontram nessa
situação. Qualquer simples fiel, ao obedecer ao Papa, ao Bispo ou ao
pároco, ou a qualquer outro legítimo superior, na família ou na
sociedade, deve ser movido primordialmente pelo amor à autoridade,
instituída pelo próprio Deus.
Retribuir a Deus por dever de amor e de justiça
Quando
quem nos impõe uma obrigação não é uma autoridade terrena, mas o Senhor
por excelência, o próprio Deus, o amor com que a executemos toma o
caráter de suprema importância. Por amor e por dever de justiça, a Ele
devemos toda obediência. É dEle que provêm nosso ser, inteligência,
vontade, sensibilidade e todos os dotes naturais. E, sobretudo, de Nosso
Senhor Jesus Cristo nos vem a Redenção, de um preço infinito, e com ela
a Graça, dom que nenhum talento humano é capaz de merecer.
O senhor passou muito tempo fora
"Muito tempo depois, o senhor daqueles servos voltou e pediu-lhes contas".
Nas
parábolas do Divino Mestre, nenhum detalhe é casual. As circunstâncias,
e até os mínimos matizes da narração, são dispostos pela sua absoluta
Sabedoria, para o nosso bem. Assim, detenhamo-nos um instante na análise
do fato de Jesus ter assinalado que o senhor passou muito tempo fora.
Durante
essa prolongada viagem, os servos que mais receberam não foram tomados
pela preguiça nem pelo desamor. Pelo contrário, mantiveram plena
fidelidade durante a ausência de seu senhor, perseverando de forma ótima
e fazendo frutificar, tanto quanto lhes era possível, os talentos que
ele lhes entregara.
Ao longo de nossa vida, Deus não deixa de nos conceder "talentos"; no Batismo, recebemos o dom por excelência que é a graça santificante. |
Quais
as conseqüências deste ensinamento? Imaginemos que cada um de nós
estivesse chamado a viver durante apenas seis meses com inteiro uso da
razão. Em vista dessa brevidade, faríamos todo o possível para
apresentarmo-nos ao Tribunal Divino com o máximo de frutos, provenientes
dos dons recebidos. Planejaríamos cuidadosamente a recepção dos
sacramentos, tomaríamos todas as medidas cabíveis para nos afastar das
ocasiões de pecado, procuraríamos crescer em zelo e piedade durante esse
curto período de progresso rumo à eternidade.
Entretanto,
a maioria dos homens é chamada a viver nesta terra um tempo
relativamente longo, ou que lhes parece longo. E por isso, o fervor
inicial com que o homem empreende a via do Reino do Céu tende a não ser
duradouro. Recebemos uma graça e o entusiasmo nos pervade, empreendemos
uma obra com toda a energia para coroá-la, assumimos uma função fazendo
os mais belos propósitos...
mas
esse primeiro impulso, muitas vezes, não perdura. Chega o momento em
que o fervor inicial começa a retirar-se. A ausência do senhor, por
assim dizer, se torna consciente no dia-a-dia; e começamos a nos dar
conta de quão distante se encontra aquele que partiu.
A essa altura dos acontecimentos, desaparece a força que o senhor irradia com sua mera presença.
No
cumprimento das obrigações que ele nos deixou, já nem sequer nos
estimula a consideração de um retorno dele de forma repentina e
imediata. Essa sensação de demora nos coloca em grave risco de esquecê-
lo.
Assim
acontece com quem abraça a vida religiosa. No início, sente um
entusiasmo capaz de derrubar todos os obstáculos e vencer qualquer
dificuldade; esse é o "fervor de noviço", assim chamado por ser
característico de quem acaba de entrar nas vias da perfeição.
Algum
tempo depois - mais longo para uns, menos longo para outros -,
afasta-se lentamente a visão primaveril que encantou o religioso no
início de sua vocação, e aquele entusiasmo primeiro começa a
diminuir. Surgem então as dificuldades.
Imerso
no labor cotidiano, pesa- lhe a monotonia do dia-a-dia. Se ele não
lutar contra essa provação, acabará por esquecer-se da glória de Deus,
dos interesses da Igreja, à qual entregou sua vida, e do benefício da
própria alma. Mas esse fenômeno não se dá só com as almas consagradas. O
mesmo, quantas vezes, se passa também com quem acaba de receber a
Primeira Comunhão, ou a Crisma, ou conclui algum período de formação
religiosa! Nessas ocasiões, não poucos podem se sentir pervadidos de um
fervor semelhante ao do noviço.
Para estes, a perspectiva de uma vida longa bem pode vir a ser grave obstáculo para o fervor inicial continuar aceso!
IV - A RECOMPENSA E O CASTIGO
"O
que recebeu cinco talentos, aproximou-se e apresentou outros cinco:
‘Senhor - disselhe - confiaste-me cinco talentos; eis aqui outros cinco
que ganhei'. Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que
foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu
senhor'.
O
que recebeu dois talentos, adiantou-se também e disse: ‘Senhor,
confiaste-me dois talentos; eis aqui os dois outros que lucrei'.
Disse-lhe seu senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no
pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar- te com teu senhor'".
Pela
forma com que os dois servos fiéis se aproximam, podemos discernir uma
espécie de sofreguidão, de santa ansiedade, da parte deles, pela chegada
do seu senhor. Nota-se que tinham passado todo o tempo de sua ausência
suspirando pelo seu retorno.
Ao
ouvirem que ele os chama, vão céleres ao seu encontro, porque percebem
ter chegado o fim das penas, trabalhos e esforços. Acorrem logo e sem
nenhum receio. O que temeriam eles de um senhor que sempre amaram e pelo
qual sempre trabalharam? Esta é a situação dos homens que, durante a
vida, atuaram com seriedade e diligência, utilizando todo o seu tempo no
serviço do Senhor. Uma vez que cumpriram eximiamente o seu dever e
souberam avaliar, aprimorar e agradecer os dons recebidos de Deus e
deles se utilizar, não terão dificuldade alguma em deixar esta vida e
passar para a eternidade.
A
morte os encontrará alegres e desejosos de prestar contas Àquele que
tudo lhes deu. Perante a perspectiva do Juízo, não sentirão temor, mas
sim uma santa avidez de ir gozar eternamente da Presença de seu Senhor.
Nós,
que agora consideramos esta parábola, não poderíamos deternos para um
breve exame de consciência? Quanto nos esforçamos por fazer render os
dons que Deus nos deu para a glória dEle? Aplicamo-nos, como devemos,
muito mais no serviço dEle do que em satisfazer o nosso egoísmo? Em que
medida nossas retribuições, nossos louvores, nosso amor a Deus
correspondem a tudo aquilo que Ele fez por nós?
Necessidade de restituir os talentos recebidos
Consideremos,
a seguir, o belo gesto dos servos, reconhecendo que tudo pertence ao
senhor e não se apropriando de nada: "Senhor, confiaste- me cinco
talentos; eis aqui outros cinco que ganhei. [...] Senhor, confiaste- me
dois talentos; eis aqui os dois outros que lucrei".
Ao
longo da nossa vida, Deus não deixa de nos conceder "talentos". No
Batismo, recebemos o dom por excelência que é a graça santificante,
participação criada na vida incriada de Deus. A ela, por pura
liberalidade divina, se acrescentam graças atuais ordinárias, operantes e
cooperantes, e também graças atuais extraordinárias, que a Providência
concede em circunstâncias especiais.
Perante
tal profusão de "talentos", devemos reconhecer, com gratidão, que todos
esses dons pertencem a Deus. E quando deles "tiramos lucro" ao
praticarmos uma boa obra, devemos saber ver, com humildade, quanto o
mérito desse ato provém de Deus. Como os servos fiéis, precisamos
retribuir a Deus tanto pelos "talentos" recebidos, como por aqueles
lucrados pelos nossos atos de virtude.
A recompensa dos servos fiéis
Os
servos fiéis da parábola dobraram a soma recebida das mãos de seu
senhor, mostrando como o trabalho feito com diligência, com amor, com
responsabilidade, acaba sendo coroado pelo sucesso.
"Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te com teu senhor".
A
seriedade com que ambos se comportaram merece de seu senhor idêntico e
belíssimo elogio, o qual evoca o que receberão do próprio Deus todos
quantos procederam bem durante sua existência terrena.
A
resposta do senhor - "eu te confiarei muito" - lembra também outra
verdade importante: quem corresponde às primeiras graças, é geralmente
beneficiado por outras ainda maiores e por uma renovada força para ser
fiel a elas. Toda graça bem correspondida abre as portas para Deus
outorgar muitas outras; e quem, nesta terra, deixa de corresponder a uma
graça, corre o terrível risco de fechar as portas para as vindouras.
Talvez, até, para aquelas que devem conduzi-lo à Bem-Aventurança
eterna...
É
importante ressaltar, por fim, que o prêmio é infinitamente superior ao
esforço que os servos fizeram: "Vem regozijar-te com teu Senhor". Para
um pobre mortal que sai desta vida, o entrar no Céu, o ver Deus face a
face, o possuí-Lo, amá-Lo e gozar da sua essencial felicidade é algo
inimaginável e muito acima de qualquer merecimento!
O servo que esconde o talento
"Veio,
por fim, o que recebeu só um talento: ‘Senhor - disse- lhe -, sabia que
és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não
espalhaste. Por isso, tive medo e fui esconder teu talento na terra. Eis
aqui, toma o que te pertence'".
O
comportamento deste "servo mau e preguiçoso" é chocante e digno de toda
reprovação, sobretudo se comparado com o dos servos "bons e fiéis". Em
lugar de exercer sua função de forma séria e responsável, ele esconde o
talento, guiado por um medo pecaminoso que nada tem a ver com o timor
reverentialis (temor reverencial) das almas virtuosas.
O comportamento deste "servo mau e preguiçoso" é chocante e digno de toda reprovação |
Durante
a ausência do senhor, foge do cumprimento de sua obrigação e, ao ser
chamado a prestar contas, revolta-se contra ele. Para justificar sua
falta, ultraja aquele a quem deveria servir, acusando-o de ser injusto:
"Sabia que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes
onde não espalhaste". Sua atitude erige-se, assim, em paradigma do
comportamento dos pecadores que procuram justificar suas faltas
revoltando- se contra Deus e contra os outros.
Nunca reconhecem sua culpa; tudo lhes serve de escusa para a sua má conduta.
Sofismarão
que é muito difícil salvar- se, porque poucas são as pessoas que
alcançam o Céu; ou afirmarão: "Minhas paixões são vivas demais..."; ou:
"O mundo está tão corrompido..." De nada servirá aconselhá- los a fazer
um maior esforço para domar suas paixões, se elas forem fortes demais;
nem recomendar-lhes a fuga das ocasiões que os põem em grave risco. Pois
esses pecadores não procuram corrigir-se, mas sim, como já foi dito,
sempre buscam razões para justificar suas más obras.
A resposta do senhor
"Respondeu-lhe
seu senhor: ‘Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho onde não semeei e
recolho onde não espalhei. Devias, pois, levar meu dinheiro ao banco e,
à minha volta, eu receberia com juros o que é meu'".
O
senhor não se preocupa em refutar as afirmações do servo infiel, porque
a ofensa que ele lhe faz é tão sem fundamento que não merece resposta.
Pelo
contrário, vai diretamente ao ponto essencial do assunto,
devolvendo-lhe a acusação: "Servo mau e preguiçoso! Sabias que colho
onde não semeei e recolho onde não espalhei.
Devias, pois, levar meu dinheiro ao banco e, à minha volta, eu receberia com juros o que é meu".
O castigo
"Tirai-lhe
este talento e daio ao que tem dez. Dar-se-á ao que tem e terá em
abundância. Mas ao que não tem, tirar-se-á mesmo aquilo que julga ter. E
a esse servo inútil, jogai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e
ranger de dentes".
A
condenação do "servo mau e preguiçoso", contida nestes versículos,
mostra-nos quão terrível será o suplício dos pecadores no Juízo Final.
Nesse
dia, seus falsos raciocínios serão desmascarados diante de todos, e
eles sentirão a mais viva vergonha. Os dons que a eles tinham sido
concedidos, ser-lhes-ão arrancados e entregues a outros, provocando-lhes
uma inveja e amargura tremendas.
Aquilo
que durante a vida desprezaram aparecerá ante seus olhos em todo o seu
valor, enriquecido por Deus e posto nas mãos de outro que aproveitou
melhor as graças recebidas.
A
essas lancinantes dores, une-se a humilhação de ver-se condenado e
jogado nos terríveis tormentos do Inferno, sobre os quais, por falta de
espaço, deixamos para falar em outra ocasião.
V - MEDITA NOS TEUS NOVÍSSIMOS
Meditar
sobre a parábola dos talentos leva-nos, como vimos, a refletir a
respeito da seriedade com que devemos conduzir todas as nossas ações.
Salta aos olhos como isto traz para nós benefícios extraordinários.
Mas,
nesta parábola, Nosso Senhor nos ensina também a jamais nos
apropriarmos de nada. Quer se trate de um dom gratuito, quer se trate de
um benefício conquistado pelo próprio esforço, tudo é de Deus; dEle
tudo recebemos e a Ele pertence tudo quanto fazemos, porque até as
nossas capacidades pessoais e nosso próprio trabalho foram criados para
sua glória.
A
parábola dos talentos nos convida, e muito também, a voltarmos
constantemente os olhos para o nosso fim último, que é Deus, assim como
para o dia em que por Ele seremos julgados. "Em tudo o que fizeres,
lembra-te dos teus novíssimos e jamais pecarás" (Eclo 7, 40), diz a
Sagrada Escritura. Se assim procedermos, teremos abraçado uma via segura
para a nossa salvação eterna!
1
Um interessante aprofundamento sobre este assunto pode ser encontrado
no capítulo XV de RODRIGUEZ Y RODRIGUEZ, OP, Fr. Victorino. Estudios de
Antropologia Teológica. Madrid: Speiro, 1991, pp. 329-354.
2 Uma viva descrição dos tormentos reservados para Santa Teresa de Jesus no inferno, caso ela tivesse se condenado, podemos encontrá-la no início do capítulo XXXII do Libro de la vida, escrito por ela mesma.
2 Uma viva descrição dos tormentos reservados para Santa Teresa de Jesus no inferno, caso ela tivesse se condenado, podemos encontrá-la no início do capítulo XXXII do Libro de la vida, escrito por ela mesma.
(Revista Arautos do Evangelho, Nov/2008, n. 83, p. 10 a 17)
Pe. João Clá Dias
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