A Oração da Restauração bem pode chamar-se a "oração da confiança filial" Prof. Plinio Corrêa de Oliveira |
A Oração da Restauração
Muitos já teremos sentido em nosso interior, envolto nos acentos
do arrependimento, um carinhoso e materno afago da graça a nos prometer que um
dia voltaremos a trajar, purificada de suas manchas, a “alvíssima túnica” da
inocência recebida com o Sacramento do Batismo. É esse sentimento feito de
certeza e esperança que levou Dr. Plinio a compor, em 1967, a “Oração da
Restauração”, cujo significado mais profundo ele nos explica nos comentários
transcritos nestas páginas.
No
Antigo Testamento — tanto quanto me lembre isso não ocorre no Novo —
encontramos preces nas quais o orante dirige perguntas a Deus. Por exemplo:
“Senhor, por que dormis?”, e outras interrogações análogas que esperam uma
resposta do Criador.
De
passagem, é interessante notar que as súplicas presentes nas páginas do Antigo
como nas do Novo Testamento são inspiradas pelo Divino Espírito Santo, ou
ensinadas diretamente por Nosso Senhor Jesus Cristo. São diferentes de uma
prece privada, como esta que agora passo a comentar.
A
pergunta-chave
A
Oração da Restauração contém uma indagação, que é o ponto chave dela: “Não
tendes também Vós , Senhora, saudades deste tempo?”
É
a impetração de um pecador que se encontra no início ou na plenitude de um
processo de arrependimento, e por isso se lembra com nostalgia do tempo em que
ele era bom. E se recorda do convívio espiritual que tinha com Nossa Senhora,
através da graça. Essa lembrança o enche de contrição e de saudades, pois ele
quereria reviver aquela felicidade matutina do começo de sua vida, e que depois
não teve igual.
Argumento
do faltoso em seu favor
Então
ele deseja dar a Maria Santíssima um argumento que A leve a atender seu pedido.
Porque, precisamente por ser pecador, sente a insuficiência de seus próprios
meios. Sozinho, nada obtém, e só alcançará algo se os seus argumentos forem
aceitos. Então, com ânimo redobrado, parte à procura de uma razão para
apresentar, e diz a Nossa Senhora: “Se eu, que sou filho, tenho saudades de
Vós, quanto mais Vós, que sois Mãe, deverieis ter saudades de mim!”
É
a essência da oração.
E
tão grande é a certeza da reciprocidade de sentimentos, que o suplicante não
espera resposta. Como se Nossa Senhora lhe tivesse dito: “Sim, meu filho, tenho
saudades de ti”, ele tira a conclusão: “Vinde, pois, minha Mãe, e por amor ao
que desabrochava em mim, restaurai-me!”
Quer
dizer, “por amor ao bem que ia surgindo em mim (está subentendido: ‘que eu
sufoquei’), restaurai-me.”
“Recomponde
em mim o amor a Vós”. Significa que ele não sente tanto quanto deveria o amor a
Nossa Senhora, merecedora de maior devoção sua. Então pede-Lhe recomponha na
sua alma esse amor, como conseqüência das saudades que Ela, por sua vez, tem
dele: “Se Vós, minha Mãe, lembrais de mim, restaurai-me!”
“Dai-me
aquilo que perdi…”
“E
fazei de mim a plena realização daquele filho sem mancha que eu teria sido, se
não fosse tanta miséria”.
Ou
seja: “Eu era um filho que Vós amáveis inteiramente, pois não tinha manchas.
Nesse tempo, estabelecia convosco um convívio amado por mim e por Vós.
Entretanto, agora apresento essas nódoas. Vós não podeis desejar tal
relacionamento com esse homem manchado. Então, tirai-me as máculas! Se tendes
de fato saudades de mim, compadecei-vos e dai-me aquilo que eu perdi!” Esse
é o pensamento contido na oração.
Nossa Senhora da Confiança |
Oração
da confiança filial
Ela
pode chamar-se a “oração da confiança filial”. E acontece que, quanto mais uma
prece incute confiança, tanto mais ela tem condições de ser ouvida pelo Céu. E
o pecador, de si, não tem nenhum título para ser acolhido. Porém, se confia,
apesar dos seus pecados, sua atitude adquire mérito, pois é duro confiar quando
se ofendeu a Deus. Esse ato difícil o faltoso realiza. E assim, essa oração não
é a do pecador que se arrependeu e se converteu, mas daquele que se sabe um
pulha, um nada, sem nenhuma qualidade que agrade a Nossa Senhora, senão sua confiança.
Diz
ele a Maria Santíssima: “Vós me favorecestes e me amastes tanto outrora — e aí
entra o lado bem brasileiro da oração —, não tendes saudades desse tempo? Minha
Mãe, se tenho saudades, será que Vós não tendes também?”
Imagine-se
uma mãe que expulsou seu filho de casa, por grave e justo motivo. Certo dia,
andando pela rua, ela se encontra com o rapaz. Procura manter uma fisionomia
severa, condigna com a situação imposta pelos fatos. Contudo, se o filho lhe
disser: “Mamãe, mereci ser expulso, mas que saudades tenho de vossa casa!”,
qual será o efeito disso no coração materno?
Por
mais que ela deseje manter a cara amarrada e séria, a misericórdia fala mais
alto e a inclina para a clemência. A fim de que esse movimento seja completo, o
filho pergunta: “Será que vós, vendo minhas saudades, não tendes também
saudades do meu afeto?” Isso
é muito psicológico e cogente. É a súplica esperançada do desesperado.
Triste
situação do que retorna ao pecado
Para
se compreender o que caracteriza essa oração, devemos considerar que o mundo de
hoje naufragou num tal abismo de relaxamento moral que bem poucos são os que
ingressam no nosso movimento sem nunca ter cometido um pecado grave. A maioria
são dos que se converteram, abandonaram os maus hábitos e abraçaram as vias da
virtude. Depois, infelizmente, pode suceder que algum recaia no pecado. Então,
é uma miséria que se soma a outra. Na linguagem acerba e veraz de São Pedro, “o
cão volta ao seu vômito”. Quer dizer, o indivíduo vomitou o pecado, mas, ao
recair, procura alimentar-se do que lançou fora de si, à semelhança do
procedimento de alguns cachorros.
Segundo
o Evangelho, Nosso Senhor fala de um homem infestado pelo espírito maligno. Ele
foi exorcizado, expulso o demônio que o atormentava, e sua alma se tornou como
uma casa limpa.
Entretanto,
da narração se pode deduzir que ele pecou de novo, e sua casa, ou seja, sua
alma, ficou ainda mais infestada que antes, atormentada por vários demônios.
Nosso Senhor fala em sete, mas sabe-se que este é um número simbólico. Na
realidade, sobreveio uma falange de espíritos imundos para povoarem a alma
daquele que tinha sido exorcizado.
Mas,
a oração apelando para a misericórdia de Nossa Senhora obtém a segunda
desinfestação, que é definitiva.
Gancho
que liberta o pecador do pecado
Então,
a Oração da Restauração é composta tendo em vista essas verdades. É a prece de
uma alma outrora possuidora de grande inocência, perdida por causa do pecado.
Tendo se afastado de Nossa Senhora, ela se volta para a Santíssima Virgem e Lhe
diz: “Ai, que saudades!”. E apesar do seu pecado, ela — a devedora! — cobra da
Mãe de Deus a reciprocidade: “Tenho saudades. Não é natural que Vós tenhais
também?!” Essa
pergunta, dirigida a uma mãe, produz o resultado que conhecemos.
Forma-se,
assim, uma espécie de gancho no qual o pecador se agarra e sobe. É uma súplica
muito adequada para uma época como a nossa, onde as ofensas a Deus são
superabundantes, terríveis, e as infestações, medonhas. E para qualquer homem
que alguma vez amou Nossa Senhora, essa prece ficará bem em seus lábios.
Se,
porventura, alguém declarasse: “Mas, Dr. Plinio, nunca amei Nossa Senhora”, eu
lhe recomendaria que dissesse à Virgem Bendita: “Minha Mãe, quem vos amou, pode
rezar a Oração da Restauração. Muito pior é a situação em que me encontro, pois
nunca vos amei, e não posso sequer dirigir-vos essa súplica. Hoje, porém,
compreendo quão lastimável é o estado de um homem que nunca vos teve por Mãe.
Não posso perguntar se tendes saudades de mim, porque nunca fui vosso! Mas, se
tendes pena de quem foi vosso, quanto mais não deveis ter de quem nunca o foi?!
“Vendo
minha situação, ó Mãe, não vos compadeceis? Vinde e salvai-me!”
Essa
seria a Oração da Instauração que eu ensinaria a um filho nessas condições.
Plinio
Corrêa de Oliveira
Revista
Dr Plinio 82 – Janeiro de 2005
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