1 "Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judeia, no tempo do
rei Herodes, eis que alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, 2 perguntando: ‘Onde está o Rei dos judeus, que acaba de nascer? Nós
vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-Lo'. 3 Ao saber disso, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a
cidade de Jerusalém. 4 Reunindo todos os sumos
sacerdotes e os mestres da Lei, perguntava-lhes onde o Messias deveria nascer. 5 Eles responderam: ‘Em Belém, na Judeia, pois assim foi escrito pelo
profeta: 6 E tu, Belém, terra de
Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá, porque de
ti sairá um chefe que vai ser o pastor de Israel, o meu povo'. 7 Então Herodes chamou em segredo os Magos e procurou saber deles
cuidadosamente quando a estrela tinha aparecido. 8 Depois os enviou a Belém, dizendo: ‘Ide e procurai obter informações
exatas sobre o Menino. E, quando O encontrardes, avisai-me, para que também eu
vá adorá-Lo'. 9 Depois que ouviram o
rei, eles partiram. E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles,
até parar sobre o lugar onde estava o Menino. 10 Ao verem de novo a estrela, os Magos sentiram uma alegria muito
grande. 11 Quando entraram na casa,
viram o Menino com Maria, sua Mãe. Ajoelharam-se diante d'Ele, e O adoraram.
Depois abriram seus cofres e Lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e
mirra. 12 Avisados em sonho para
não voltarem a Herodes, retornaram para a sua terra, seguindo outro
caminho" (Mt 2, 1-12).
SOLENIDADE
DA EPIFANIA DO SENHOR
Inspirados pela graça, os Reis Magos se puseram a caminho para
encontrar o Criador do universo numa criança recém-nascida. Importância da
sensibilidade ao timbre do Espírito Santo.
I - A INOCÊNCIA DIANTE DO MARAVILHOSO
No trato
com crianças não é difícil constatar o seu senso do maravilhoso. Quando o
inocente está em formação e despontam os primeiros lampejos do uso da razão,
ele se encanta com tudo quanto vê, acrescentando à realidade algo que ela, de
si, não tem. Ou seja, imagina aspectos magníficos e grandiosos por detrás de
aparências simples. É isso que constitui a alegria da vida infantil.
Infelizmente,
nos tempos hodiernos, que acumulam sobre si o fruto de vários séculos de
decadência moral, procura-se arrancar às crianças, o mais cedo possível, o
maravilhoso. E com esta perda vai-se embora também a inocência. Aos poucos os
jovens são introduzidos num ambiente onde o hábito de admirar já não existe.
Nas escolas
e universidades, em geral, o que interessa é o concreto, o exato, a ciência, o
número, a prova, o testemunho. Às vezes - o que é pior - até nos cursos de
Religião se nota o empenho dos professores em dizer que nas Sagradas Escrituras
muitos episódios não passam de lenda e fantasia, e não aconteceram como estão
narrados. Tudo para dissuadir o aluno da ideia do milagre, da intervenção de
Deus, do sobrenatural e da relação que há entre o homem, a ordem do universo e
Deus.
Tal sede
de maravilhoso, tão viva no mundo dos inocentes, deveria permanecer no
horizonte dos adultos e, inclusive, crescer. É preciso continuar crendo na
maravilha e alimentar a fé com a contemplação das belezas criadas por Deus,
pois até um colibri tentando tirar o seu alimento de uma flor, com elegância e
agilidade, nos remete a Deus, a seu poder e formosura.
Consideremos
a Epifania com senso do maravilhoso
É por
este prisma que analisaremos a Solenidade da Epifania, sobre a qual
encontramos, com frequência, explicações tendentes a demolir o senso do
maravilhoso nas almas. Assim, deixando de lado detalhes históricos - em alguns
casos até discutíveis, se não fazem parte da Revelação -, já comentados em
artigos anteriores, centremos nossa atenção no aspecto sobrenatural e
simbólico latente neste acontecimento. Joseph de Maistre dizia: "La
raison ne peut que parler, c'est l'amour qui chante! - A inteligência só
sabe falar, o amor é que canta". Acompanhemos, então, a Liturgia deste dia
com amor, considerando os fatos de dentro do olhar de Deus.
II - O ESPÍRITO SANTO FALA
NO INTERIOR DAS ALMAS
Esta
Solenidade é para nós mais importante, em certo sentido, do que o próprio Natal
- embora este seja mais celebrado -, por nos tocar muito de perto. Como? Era
uma época auge... Auge de decadência da humanidade! A situação social, política
e, sobretudo, moral, era a pior possível. O mundo, penetrado de desprezos,
ódios e invejas, havia chegado ao fundo de um abismo, e a civilização antiga
encontrava-se num impasse, pois ninguém vislumbrava uma solução para a crise
que lhe minava os fundamentos. Em poucas e expressivas palavras descreve o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira tal situação: "Como afirmou um historiador
famoso, toda a humanidade, então, se sentia velha e gasta. As fórmulas
políticas e sociais, então utilizadas, já não correspondiam aos anseios e ao
modo de ver dos homens do tempo. Um imenso desejo de reforma sacudia diversos
povos. [...] E todo o mundo sentia que uma crise imensa ameaçava a sociedade de
uma ruína inevitável".
Antes de Nosso Senhor nascer, "todo o mundo sentia que uma crise imensa ameaçava a sociedade de uma ruína inevitável" Prof. Plinio durante uma conferência. |
Guiados
por uma estrela
Um dos
elementos principais, ao contemplarmos o episódio da Epifania, é a visão da
estrela que levou os Magos a se porem a caminho, como está dito na Oração do
Dia: "hoje revelastes o vosso Filho às nações, guiando-as pela
estrela".
De que modo se explica que eles tivessem discernido o simbolismo desse misterioso astro? Conforme muitos autores, os Magos eram potentados ou reis, os quais, em certas regiões orientais, para ascender ao trono se aplicavam ao estudo das diversas ciências, destacando-se de maneira especial a astronomia: "ninguém pode ser rei dos persas se antes não aprendeu a disciplina e a ciência dos magos".
De que modo se explica que eles tivessem discernido o simbolismo desse misterioso astro? Conforme muitos autores, os Magos eram potentados ou reis, os quais, em certas regiões orientais, para ascender ao trono se aplicavam ao estudo das diversas ciências, destacando-se de maneira especial a astronomia: "ninguém pode ser rei dos persas se antes não aprendeu a disciplina e a ciência dos magos".
A estrela avistada pelos Reis
magos não era um astro
como os demais, pois
tinha sido criada por Deus
para aquela circunstância.
A Caravana dos Reis Magos - Metropolitan Museum of Art, Nova York |
Como na
Pérsia se havia difundido a crença de que estava para nascer um magnífico Rei
Salvador, essa perspectiva fazia com que se prestasse especial atenção nos
sinais celestes que pudessem anunciar a próxima realização de tal oráculo:
"Se este fenômeno extraordinário [da estrela] foi interpretado pelos Magos
como o sinal do nascimento do Rei dos judeus, isso prova, em primeiro lugar,
suas preocupações astrológicas e, em segundo lugar, o conhecimento dessas
tradições religiosas, universalmente difundidas no Oriente, segundo o
testemunho de Tácito e de Suetônio. Tradições que anunciavam, para essa época,
a vinda de homens originários da Judeia para dominar o mundo".1 No mesmo
sentido opina outro conceituado autor: "na Pérsia esperava-se, por
tradição interna, uma espécie de salvador e, além disso, sabia-se que análoga
expectativa existia na Palestina".
A estrela
avistada pelos Reis Magos, segundo São Tomás, não era um astro como os
demais, pois tinha sido criada por Deus para aquela circunstância, não no céu,
mas na atmosfera, perto deles, com o objetivo de manifestar a realeza celeste
do Menino que nascera em Belém. Pelo fato de aos judeus o Senhor transmitir
suas instruções através dos Anjos, foram estes que anunciaram aos pastores o
nascimento do Messias. Aos Magos, contudo, acostumados a contemplar o
firmamento, Deus comunica a mensagem mediante uma estrela.
Presume-se
que a distância percorrida pelos Reis, para os padrões atuais, não tenha sido
grande. Naquele tempo, porém, a viagem era feita, na melhor das hipóteses, de
camelo, com uma comitiva a pé. Era preciso ir a passo, o que tornava o deslocamento
lento, não sendo possível percorrer mais de 30 ou 40 km por dia. As estradas
eram precárias, sem mencionar os imprevistos, como animais ferozes,
assaltantes, condições de hospedagem deficientes... Era uma aventura penosa e
arriscada. Não obstante, eles não se preocupam com nada disso e põem-se a
caminho em busca do Salvador, o Rei dos judeus. Mas quem os impele, realmente?
A
ação do Espírito na alma é mais importante que os sinais
Tanto aos
pastores quanto aos Reis, o Espírito Santo falou no fundo da alma,
inspirando-lhes a fé no advento do Messias. Com efeito, muitos outros avistaram
a estrela, pois ela não fora invisível, e vários conheceram também o relato dos
pastores de Belém, na noite de Natal; todavia, nem todos acreditaram, só
aqueles que foram favorecidos por moções do Espírito Santo.
Por isso
ressalta São Tomás o papel da graça, como um raio de verdade mais luminoso
que a estrela, a instruir os corações dos Magos. É, então, mais importante a
comunicação direta do Espírito Santo, do que os meros sinais sensíveis. A tal
ponto que, para os justos, como Ana e Simeão, habituados a discernir a voz de
Deus em seu interior, não foi necessária a aparição de Anjos ou o surgimento de
estrelas, ou qualquer indicação extraordinária de que aquele era o Filho de
Deus, o Messias prometido. Simplesmente, quando viram o Menino entrar no
Templo, nos braços de sua Mãe, foram tomados pelo espírito de profecia e, por
ação do Paráclito, compreenderam que ante seus olhos estava a luz que
iluminaria as nações, a glória de Israel (cf. Lc 2, 32). Assim, torna-se
patente como para as almas mais puras e elevadas as manifestações sobrenaturais
não vêm acompanhadas dos sinais exteriores, sendo estes, contudo, adequados
para tocar os menos espiritualizados.
Confiamos
mais em Deus se tivermos as mãos vazias
Na sua ingenuidade, os Magos foram pedir informações sobre o Rei dos judeus ao próprio Herodes |
Eloquente
contraste, útil para a vida espiritual. O que mais vale é saber onde está Nosso
Senhor Jesus Cristo e adorá-Lo, ou possuir todos os bens da Terra? Muitas vezes
Deus faz com que estes nos faltem, porque quando as mãos estão carregadas de
riquezas é difícil juntá-las para rezar. Estamos mais aptos a confiar em Deus
se temos as mãos vazias. Portanto, não nos perturbemos caso venhamos a passar
necessidades. Enfrentar problemas, dramas e aflições é um dom de Deus. Quem não
sofre e não experimenta alguma instabilidade deposita a segurança em si mesmo e
acaba por voltar as costas ao Criador, o que lhe acarreta o maior dos sofrimentos:
ignorar a felicidade de depender de Deus.
Nesse
sentido, recolhemos uma preciosa lição da simbologia da mirra oferecida pelos
Magos, da qual pouco se fala. De sabor amargo - característica evocativa do
sofrimento -, era usada também para embalsamar os cadáveres. Com tal
oferecimento se tornava presente, já desde o momento de vir ao mundo e de dar a
conhecer sua grandeza divina, a missão redentora do Menino e sua Morte na Cruz.
A mirra também é útil para nós, porque recordando nosso destino final, a morte,
modera nossa ganância e o desejo de viver para sempre nesta Terra.
Atrás
das aparências, a grandeza de Deus Encarnado
Movidos pela fé, O reconhecem como Deus Adoração dos Reis Magos - Museu J. Paul Getty Los Angeles - Estados Unidos |
Porém, acrescenta
São Tomás, a Encarnação do Verbo, para ser proveitosa, não podia permanecer
oculta à humanidade inteira. Por tal motivo, Nosso Senhor Jesus Cristo quis
revelá-la apenas a alguns, aos quais mostrou sua divindade por meio de pequenos
sinais acompanhados da graça - suficiente em certos casos, superabundante em
outros -, para que uns servissem de testemunho aos demais.
Um desses
diminutos sinais, o próprio Evangelista o menciona. Afirma ele que os Reis, ao
verem de novo a estrela, "sentiram uma alegria muito grande". Ainda
que não esteja no texto sagrado, é de se supor que, ao contemplarem o Menino,
tenham experimentado um júbilo interior intensíssimo, e talvez se tenham
comovido até às lágrimas. Ajoelharam-se arrebatados pelo encanto com o Divino Infante,
o "mais belo dos filhos dos homens" (Sl 44, 3), diante do qual não
cabia outra atitude a não ser a adoração. Tudo marcado por uma suave e intensa
alegria, nota distintiva da atuação do Espírito Santo, e que até nossos dias
caracteriza as celebrações natalinas.
III - A IGREJA, ESTRELA QUE NOS GUIA ATÉ JESUS
De seu lado traspassado pela lança, brotará a Santa Igreja |
Quantas
famílias, povos e nações inteiras ao longo da História se porão a caminho, à
semelhança dos Magos, para seguir uma estrela: a Santa Igreja Católica
Apostólica Romana. Sim! Ela, a distribuidora dos Sacramentos, promotora da
santificação e dispensadora de todas as graças, faz o papel de uma estrela a
cintilar diante de nossos olhos, através do esplendor de sua Liturgia, da
infalibilidade de sua doutrina, da santidade de suas obras, convidando-nos a
obedecer à voz do Divino Espírito Santo que fala em nosso interior. Assim, a
Igreja promove um novo desabrochar do senso do maravilhoso nos corações de seus
filhos, parecendo nos dizer: "Olha como Deus é belo! Ele é o Autor de tudo
isso".
Esta
estrela é para nós, portanto, a alegria da existência, a segurança e a certeza
dos nossos passos, a sustentação do nosso entusiasmo e do amor a Deus.
Sobretudo, esta estrela é a garantia de uma eternidade feliz. Quem a ela se
abraçar terá conquistado a salvação, quem se separar dela seguirá por outros
caminhos e não chegará à Belém eterna, onde está aquele Menino, agora sim,
glorioso e refulgente pelos séculos dos séculos.
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