TEXTO: Manuel Pires Bastos - Jornal JOÃO SEMANA
A 1.ª imagem que se fez de Nossa Senhora de Fátima (1920) |
A 1.ª imagem de N.ª Sr.ª da Fátima (da Capelinha das Aparições) data de 1920, e é da autoria de José Ferreira Thedim, que a retocou em 1951. Há uma 2.ª imagem (da Virgem Peregrina), do mesmo autor, que data de 1947. Destas imagens se trata mais desenvolvidamente em "O Culto de Fátima no Concelho de Ovar", na revista "Dunas – Temas e Perspectivas", da Câmara Municipal de Ovar.
Sobre estes temas, e em especial sobre a imagem do Coração Imaculado de Maria, Ovar tem uma importante palavra a dizer. Tão importante quanto capaz de esclarecer alguns pontos ainda em aberto nesta matéria.
A estampa/fotografia com as correcções
feitas pela Irmã Lúcia: a cruz (a indicar a
subida da mão direita), a cercadura à volta do
coração (no lugar dos espinhos) e o franzido
do vestido e do pescoço
|
Foram as religiosas da Congregação do Sagrado Coração de Maria que, em Setembro de 1942, após um retiro em Fátima, sensíveis às revelações do Coração Imaculado de Maria à vidente Lúcia “ correspondentes ao 2.º segredo de Fátima (13 de Junho e 13 de Julho de 1917, na Cova da Iria) e às revelações subsequentes (17/12/1927 em Pontevedra e 13/06/1927 em Tuy), descritas, sobretudo, na 3.ª Memória (de 31/08/1941), e querendo incrementar a devoção dos primeiros Sábados nos seus colégios “, assumiram a tarefa de investigar as particularidades iconográficas da imagem, sob a orientação de Madre Maria Chantal de Carvalhaes.
Pedindo informações à Irmã Lúcia sobre a forma como Nossa Senhora revelara o seu coração aos três pastorinhos, e após vários esboços feitos quer por religiosas, quer por um artista e por fotógrafos – estes utilizando como modelo a própria imagem da Capelinha das Aparições –, foi elaborada uma composição fotográfica que, depois de apreciada pelas autoridades religiosas (Setembro de 1943) e pela Vidente, esta corrigiu pelo seu próprio punho (tal como acontecera, anos antes, com a imagem da Capelinha), acompanhada das seguintes instruções escritas:
“A mão direita mais à altura do hombro como que reflectindo, ao mesmo tempo, para os assistentes. Do lado esquerdo, o manto caindo menos para diante. O Coração com os espinhos à volta. Nem o coração, nem as mãos, nem a imagem tinha raios, era luz, reflexo. Não tinha cordão, nem facha, mas formava sinto, com algum franzido no sinto e pescoço”.Feito novo estudo, foi este enviado à Irmã Lúcia, que sobre ele deu o seguinte parecer em 29/12/43:
“Agradeço a fetugrafia; gostei, das que tenho visto são as que mais se aproximam da realidade”. (Apreciação semelhante à da estampa aqui reproduzida em 15/04/2005).
A edição definitiva das estampas chegar-lhe-ia às mãos em Abril de 1944.A primeira imagem… está em Ovar
Entretanto, desejando colocar uma estátua do Imaculado Coração de Maria em cada um dos colégios da sua Congregação, e querendo que fosse o mais fidedigna possível em relação às indicações fornecidas pela Irmã Lúcia, Madre Chantal chamou a Lisboa o escultor José Ferreira Thedim (Neto) de S. Mamede de Coronado, que tinha executado, em 1920, a primeira imagem de N.ª Sr.ª do Rosário de Fátima (a da Capelinha das Aparições, alterada em 1951).
É neste período (1944-1945) que, com as informações disponíveis recolhidas pelas Religiosas do Coração de Maria, Thedim dá forma à primeira escultura do Imaculado Coração de Maria.
Na revista “Fátima C 50”, Ano II, n.º 23, de 13/3/1969, pág. 10 a 14, no artigo “Como surgiu a primeira Imagem do Imaculado Coração de Maria”, o então Reitor do Santuário, Mons. Antunes Borges dá a entender ser desconhecido o percurso histórico dessa imagem:
“Longa foi a expectativa, não chegando sequer a aparecer aquela primeira imagem que devia servir de modelo para todas as outras”.
Um enigma? Cremos que agora deixará de o ser!
Em 1946, ano do Tri-Centenário da Padroeira de Portugal, cujas comemorações tiveram eco em todo o país, a Paróquia de Ovar encomendou à Casa França, do Porto, a expensas de uma família vareira (família Cunha), uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que substituiria a antiga imagem do Coração de Maria até então existente na Igreja Matriz e titular do altar que fora dedicado, em séculos passados, ao Espírito Santo e a N.ª Sr.ª do Pilar.
Em 1946, ano do Tri-Centenário da Padroeira de Portugal, cujas comemorações tiveram eco em todo o país, a Paróquia de Ovar encomendou à Casa França, do Porto, a expensas de uma família vareira (família Cunha), uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que substituiria a antiga imagem do Coração de Maria até então existente na Igreja Matriz e titular do altar que fora dedicado, em séculos passados, ao Espírito Santo e a N.ª Sr.ª do Pilar.
Afirma o jornal “João Semana” da época, então dirigido por um probo historiador local (o Padre Manuel Lírio), que “a nova imagem de Nossa Senhora de Fátima, com o coração segundo a revelação feita à Irmã Lúcia das Dores”(edição de 05/05/1946) é “a primeira que em Portugal se esculturou segundo as indicações da vidente de Fátima” (edição de 25/07/1946).
Embora tendo, na base, a indicação “França esc. (escultores) Porto 1946”, essa imagem deve corresponder à executada por José Ferreira Thedim, não só pelas circunstâncias do tempo e da forma da sua concepção, mas também porque era normal as oficinas de comercialização de estatuária religiosa (como a Casa França e a Casa Estrela, do Porto), aporem o seu rótulo a obras que encomendavam a outros artífices [1]. Paulo Eduardo Roque Cardoso
Esta encomenda tê-la-á entendido o Artista como vantajosa, já que, satisfazendo o interesse da paróquia de Ovar, se ressarcia das despesas até aí havidas com o seu trabalho que, entretanto, ficara suspenso, em virtude da alteração iconográfica da imagem proposta pelas Irmãs do Coração de Maria.
Pintura a óleo da Irmã Henriqueta Malheiro Vilas Boas seguindo as últimas sugestões da Irmã Lúcia sobre a Aparição do Coração Imaculado de Maria (1946) |
Segundo refere o “João Semana”, essa imagem do Imaculado Coração de Maria foi solenemente coroada junto à Câmara Municipal de Ovar, em 12 de Julho de 1946, após “uma entusiástica saudação a Nossa Senhora feita pelo Pároco, Padre Crispim Gomes Leite, no seu trajecto da Capela de Santo António para a Igreja Matriz, onde ficou exposta à veneração dos fiéis. No dia 14, o Bispo do Porto D. Agostinho de Jesus e Sousa, que viera, na véspera, administrar o Crisma, presidiu a uma solene procissão eucarística, durante a qual, na varanda da Câmara Municipal, consagrou o concelho de Ovar ao Coração Eucarístico de Jesus e ao Coração Imaculado de Maria.
A segunda imagem
2.ª imagem do Imaculado Coração de Maria de José Ferreira Thedim (1947/48). Carmelo de Coimbra |
Mercê de novas investigações e de novas informações da Irmã Lúcia, terá sido proposto a José Ferreira Thedim esculpir um novo modelo, de braços mais abertos, de aspecto mais sóbrio e comunicativo, na linha da figura que, em 1946, Madre Henriqueta Malheiro, também religiosa Doroteia, acabava de realizar na tela, apresentando-a como “a verdadeira imagem da aparição do Imaculado Coração de Maria, que a vidente de Fátima conservava profundamente gravada na sua viva e colorida imaginação”[2].
A nova estátua estava pronta em 1947, porque nesse ano há referências à “recente” maquete para a monumental estátua em mármore do Imaculado Coração de Maria, destinada à fachada da Basílica de Fátima e esculpida mais tarde (entre 1956 e 1958) em Itália pelo artista norte-americano Padre Thomas McGlynn, O. P. [CLIQUE NOS LINKS A AZUL]
O Padre Thomas McGlynn ultimando a imagem do Imaculado Coração de Maria |
Retomemos a leitura do texto de Monsenhor Antunes Borges:
“Entretanto, a Irmã Lúcia deixava as Doroteias e entrava no Carmelo de Coimbra, em Quinta-feira Santa, pelas 5 horas da manhã do dia 25 de Março de 1948. Devia ser o Carmelo de Santa Teresa que acolheria a primeira estátua do Imaculado Coração de Maria, feita à luz de todos estes longos e meticulosos estudos, acrescidos apenas de pequenos e ulteriores dados, fornecidos pela Irmã Lúcia.”
Conclusão
A Irmã Lúcia em 1945, na pose recriada em pintura, pela Irmã Henriqueta assinada em 1946 |
A imagem do Carmelo, mais tardia e mais elaborada, constitui a segunda versão escultórica do mesmo tema, apresentando novos pormenores figurativos entretanto aduzidos quer pela Irmã Lúcia, quer por interpostos artistas, através de esquissos, desenhos e pinturas.
José Ferreira Thedim |
Em Ovar. Para proveito dos amigos e devotos de Fátima, que passam a conhecer um capítulo novo do culto ao Coração Imaculado de Maria. E para espanto dos próprios vareiros que, desde há 59 anos, a veneram e amam sem saberem a sua linda história.
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Notas:[1] Cf. Sérgio de Oliveira e Sá, “Santeiros da Maia”, Maia, 2002, pág. 120.
[Sobre a autoria da 1.ª imagem leia o texto publicado em http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.pt/2014/05/ovar-possui-primeira-imagem-do.html]
[2] “Fátima 50”, artigo citado.
Artigo publicado no quinzenário ovarense
JOÃO SEMANA (1 de Julho de 2005)
http://artigosjornaljoaosemana.blogspot.com (TEXTO N.º 148)
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