Fruto do
preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, emana dos tesouros da
Cristandade um brilho sobrenatural que os distingue dos monumentos e
obras de civilizações pagãs, pois, acima dos valores artísticos, nota-se
neles uma bênção pela qual remetem a um plano superior, metafísico, e
deste ao divino. Como dizia Dante, as obras de arte dos homens são
“netas de Deus”. (1)
Letícia Gonçalves de SousaDestacam-se nessa categoria as catedrais medievais, erigidas no tempo em que, segundo a feliz expressão de Leão XIII, “a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos”. (2) No conjunto dessas magníficas construções, brilha com especial esplendor a de Reims, erigida no século XIII em substituição ao templo carolíngio destruído por um incêndio.
Concebida
como um hino de glória ao Criador, ela é adornada por2.303 estátuas e
enquadrada por duas torres que se elevam a 81 metros de altura,
parecendo querer se destacar da Terra e alçar voo em direção ao Céu.
Até 1825,
ano em que foi coroado Carlos X, aí se realizavam as cerimônias de
sagração dos monarcas da Filha Primogênita da Igreja. Era crença popular
que o rei tinha a faculdade de curar os doentes de escrofulose, mal
comum naquele tempo. Por isso, à saída do solene ato litúrgico, aqueles
infelizes se aproximavam do soberano recém-coroado e este se detinha
diante de cada um, dizendo: “Le roi te touche,Dieu te guérit — O rei te
toca, Deus te cura”. Bela fórmula que revela a consciência de ser o
homem apenas um instrumento nas mãos do Rei dos reis e Senhor dos
senhores.
Este
estado de espírito despretensioso do Rei Cristianíssimo reflete-se
também na própria simbologia da catedral que, pelo seu élan ascendente,
convida todos a se reportarem continuamente ao Criador. As suas altivas
torres recordam-nos que toda a nossa existência deve estar ordenada em
função da eternidade. Sua singular beleza é obra demãos humanas, mas são
as miríades de luzes sobrenaturais, dons de Deus, que a tornam uma
verdadeira maravilha.
NO PÓRTICO, A RAINHA
No
monumental pórtico de entrada está representada a mais grandiosa e a
mais humilde das criaturas: Maria Santíssima. Receptáculo de todas as
graças e eleita pelo Pai, sobre Ela pousou o Espírito Santo para gerar
em seu claustro virginal o Esperado das nações, Nosso Senhor Jesus
Cristo. Contudo, ao receber o entusiástico elogio de Santa Isabel,
proclamou Ela sua pequenez e restituiu ao Altíssimo o inapreciável dom
recebido: “A minha alma engrandece o Senhor, e exulta meu espírito em
Deus meu salvador, pois Ele olhou para o nada de sua serva e desde agora
as gerações me proclamarão bem-aventurada” (Lc 1, 46-48).
Se
atribuirmos a nós mesmos a glória de eventuais êxitos, jamais gozaremos
da felicidade do Reino Celeste. Seguindo, porém, os passos da
despretensiosa Soberana da Restituição, alcançaremos as alegrias
próprias àqueles que, por terem reconhecido o seu nada, são proclamados
bem-aventurados e cantam eternamente nos Céus a glória de Deus.
Eis uma das mais belas lições transmitidas pela magnífica Catedral de Reims. Paulo Eduardo Roque Cardoso
.
(1) ALIGHIERI, Dante. Divina Comédia. Inferno, Canto XI, v.105.
(2) LEÃO XIII. Immortale Dei, n.28.
(Publicado
originalmente na revista Arautos do Evangelho, nº 135, de março de
2013, p. 50-51.Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Gaudium Press.
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