Ser como criança...
A invenção do balão, no
ano de 1793, foi um acontecimento mundial. Era quase impossível acreditar que
um objeto de tal tamanho pudesse vencer a implacável lei da gravidade, voando
sem amarras, peregrinando pelos ares, permitindo contemplar panoramas desde alturas
inimagináveis… Sim, até lá conseguiu chegar o engenho humano! Ora, tudo na
Criação tem uma finalidade, não somente material, mas também no plano
espiritual e simbólico, pois o Universo saiu das mãos de um único Ser,
infinitamente inteligente e perfeito. Não era possível existirem essas leis sem
que contivessem sábias analogias em relação a criaturas superiores.
Com efeito, a tendência de
os objetos caírem talvez seja uma imagem desejada por Deus, para dar a entender
ao homem o quanto a sua natureza, depois do Pecado Original, tornou-se propensa
à queda: “à semelhança de nosso corpo, padecem as almas de uma espécie de lei
da gravidade espiritual por onde nos sentimos atraídos para o mais baixo, o
mais trivial, o que nos exige menos esforço”.[1]
Por outro lado, a
mencionada lei física capaz de vencer a gravidade, também é imagem de uma
realidade superior, a qual foi dada a conhecer aos homens muito antes do
descobrimento do balão. Nosso Senhor Jesus Cristo foi o grande “descobridor”,
ou melhor, o portador de uma nova lei, capaz de retirar-nos do abismo ao qual o
pecado nos atirara: a Lei da Graça.[2] Ela é capaz de elevar as almas a
altitudes inatingíveis pelo esforço natural, fazendo-as ganhar a batalha contra
as inclinações que continuamente as arrastam para o mal.
A Graça é o remédio
apropriado para corrigir em nós o desregramento das paixões, sobretudo a
“concupiscência da carne” (1 Jo 2, 16), a qual leva a humanidade a ofender a
Deus com maior frequência. Cristo veio consagrando dois caminhos que regulam a
veemência desse instinto: o Sacramento do Matrimônio e a castidade consagrada.
Em relação à segunda, o Divino Mestre afirmou ser um estado de vida reservado
para poucos e, assim, nem todos conseguem compreendê-lo, “mas somente aqueles a
quem é concedido” (Mt 19, 11). Os que o abraçam “por amor do Reino dos Céus”
(Mt 19, 12), prenunciam nesta Terra a Bem-aventurança celeste, por isso, esse
estado recebe o nome de celibato, termo que visa expressar certa participação
na felicidade do Céu, segundo a etimologia dada pelo historiador romano Julius
Valerianus: caeli beatus.[3]
A virtude da castidade
visa reprimir “tudo quanto há de desordenado nos prazeres voluptuosos”,[4] os
quais são moralmente ilícitos quando buscados por si mesmos,[5] porque eles só
existem com vistas a um fim principal: “perpetuar a raça humana, transmitindo a
vida pelo uso legítimo do matrimônio. Fora dele, toda luxúria é estritamente
proibida”.[6] Ora, a vocação para a castidade consagrada pede uma doação
completa, através desse “vínculo sagrado”,[7] o religioso entrega a Deus o
corpo com todas as suas faculdades, oferece-se em holocausto,[8] renuncia por
amor às leis da carne e vencendo-as com o auxílio da divina Graça.
Essa sublimação da
natureza humana é incomparavelmente superior ao voo de um balão. A castidade
perfeita faz voar pelos horizontes da vida sobrenatural, causando incompreensão
em muitas pessoas não chamadas a vivê-la, as quais podem se perguntar: “como é
possível a uma natureza tão material e débil elevar-se a essas altitudes da
espiritualidade, livrar-se das amarras da carne e preocupar-se apenas com a
contemplação dos sagrados panoramas da Religião?”. O Divino Mestre é quem lhes
dá a resposta: “Quem puder compreender, compreenda” (Mt 19, 12).
O Apóstolo São Paulo
também defendeu claramente o “dom divino”[9] da castidade, pois – conforme
disse – “os que são de Jesus Cristo crucificaram a carne, com as suas paixões e
concupiscências” (Gl 5, 24). Escrevendo aos de Corinto, afirmava: “A respeito
das pessoas virgens, não tenho mandamento do Senhor; porém, dou o meu conselho,
como homem que recebeu da misericórdia do Senhor a graça de ser digno de
confiança. […] Quisera ver-vos livres de toda preocupação. O solteiro cuida das
coisas que são do Senhor, de como agradar ao Senhor. O casado preocupa-se com
as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa. A mesma diferença existe
com a mulher solteira ou a virgem. […] Digo isto para vosso proveito, […] para
vos ensinar o que melhor convém, o que vos poderá unir ao Senhor sem partilha.
[…] E creio que também eu tenho o Espírito de Deus” (1 Cor 7, 25. 32-34. 35.
40).
Como conservar a castidade?
Conseguir o domínio de si
requer uma existência inteira e “nunca poderá considerar-se total e
definitivamente adquirido. Implica um esforço constantemente retomado, em todas
as idades da vida (Cf. Tt 2, 1-6). O esforço requerido pode ser mais intenso em
certas épocas, como quando se forma a personalidade, durante a infância e a
adolescência”,[10] sendo que a vitória se encontra na conquista do coração,
pois é nele onde pode nascer a impureza (Cf. Mt 5, 28; 15, 19). Em realidade, a
luta para conservar a castidade é travada principalmente no interior. O
Evangelho proclama bem-aventurados “os puros de coração” (Mt 5, 8), ou seja,
aqueles que transformaram a sua mentalidade e o seu querer, a fim de se
adaptarem às exigências da própria vocação,[11] abandonando os hábitos
censuráveis daquele que “têm o entendimento obscurecido, e cuja ignorância e
endurecimento de coração mantêm-nos afastados da vida de Deus; indolentes,
entregam-se à devassidão, à prática apaixonada de toda espécie de impureza” (Ef
4, 18-19).
A pureza é como um valioso
objeto de cristal, muito delicado, o qual deve ser carregado com extremo
cuidado, para poder conservá-lo intacto. Inúmeros recursos naturais e
sobrenaturais existem ao nosso alcance, com vistas a resguardar a virtude
angélica.
Que façamos jus ao Divino
conselho de Nosso Senhor Jesus Cristo: "Eu lhes asseguro que, a não ser
que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos
céus." São Mateus (18,3).
[1]
Clá Dias, João Scognamiglio. “Voar sem amarras!”. In: Arautos do Evangelho. São
Paulo: Abril, n. 105, set. 2010, p. 10.
[2]
Cf. São Tomás de Aquino. Suma Teológica. I-II, q. 106, a. 1 e 2.
[3]
Cf. Bautista Torelló, Joan. Scripta Theologica 27. Navarra: Universidade de Navarra,
1995, p. 282.
[4]
Tanquerey, Adolphe. Compendio de Teología Ascética y Mística. Tradução de
Daniel García Huches. Bélgica: Desclée, 1960, p. 707.
[5]
Cf. Catecismo da Igreja Católica. n. 2351.
[6]
Tanquerey. Op. Cit., p. 707.
[7]
João Paulo ii. Vita consecrata. n. 14.
[8]
Cf. São Tomás de Aquino. Suma Teológica. II-II, q. 186, a. 1.
[9]
Catecismo da Igreja Católica. n. 2260.
[10]
Catecismo da Igreja Católica. n. 2342.
[11]
Cf. Catecismo da Igreja Católica. n. 2517.
Nenhum comentário:
Postar um comentário