29 de dez. de 2016

Festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José - Ano A - 01 de janeiro de 2017

13 Depois que os Magos partiram, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o Menino para matá-Lo”.

Sagrada Família - Paróquia do Sagrado Coração de Jesus
Bilbao (Espanha)
14 José levantou-se de noite, pegou o Menino e sua Mãe, e partiu para o Egito.
15 Ali ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu Filho”.
19 Quando Herodes morreu, o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito 20 e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe, e volta para a terra de Israel; pois aqueles que procuravam matar o Menino já estão mortos”. . . 21 José levantou-se, pegou o Menino e sua Mãe, e entrou na terra de Israel. 22 Mas quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Por isso, depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, 23 e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno” (Mt 2, 13-15. 19-23).

FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA
DE JESUS, MARIA E JOSÉ

Mons. João Clá Dias, EP

O verdadeiro centro
da vida familiar


A docilidade dos membros da Sagrada Família à voz de Deus nos ensina que a vida familiar deve ter como objetivo a procura e o cultivo da santidade. 

I - DEUS ESCOLHEU UM LAR

A Santa Igreja reserva o domingo posterior ao Natal para cultuar e festejar a Sagrada Família, convidando-nos a refletir sobre o valor e o verdadeiro sentido da instituição familiar. Ela é a célula-mãe, o fundamento da sociedade, e se hoje assistimos a uma tremenda crise moral na humanidade, isso se deve em certa medida à desagregação da família. Abalada esta, o resto da sociedade não se sustenta.

Lemos no Gênesis, que depois de criar o homem e a mulher, Deus abençoou-os e lhes disse: “Frutificai e multiplicai-vos” (1, 28). Era a primeira família, formada por mãos divinas. Esta união é tão adequada à natureza humana que no Antigo Testamento não se compreendia o celibato, pois quase equivalia “a cometer um homicídio, a diminuir no mundo a semelhança divina”,’ salvo no caso de vocações muito especiais como, por exemplo, a de Santo Elias. Não ter filhos, morrer sem descendência era considerado um sinal de castigo e de maldição. 

Já no Novo Testamento, Nosso Senhor Jesus Cristo inaugurou um novo estado de vida, o celibato religioso, do qual Ele próprio é o sublime arquétipo. Também São João Batista, o varão que fechava o Antigo Testamento e apontava para o Novo, não se casou. Uma vez fundada a Igreja, era preciso haver uma noção mais clara e sólida da religiosidade da família, tendo representado um enorme benefício a existência, ao lado desta, de quem se consagrasse inteiramente a Deus pela prática da castidade perfeita. Deste modo se coíbe a tendência que tem o homem de satisfazer seu egoísmo, de se voltar só para o que é material e sensível, esquecendo-se de Deus.

A finalidade da família

Como o desígnio de Deus para a generalidade das pessoas é que o homem se una à mulher para constituírem um lar, a vocação ao celibato é uma exceção aos padrões da natureza. No entanto, por ocasião da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, a família adquire caráter sobrenatural pela elevação da união matrimonial, contrato natural, à categoria de Sacramento, simbolizado na misteriosa e indissolúvel união entre Cristo e sua Igreja. Isto contraria a ideia errada, em voga na atualidade, de que a família não tem um objetivo religioso, mas apenas social ou afetivo.

Bem outro é, todavia, o conceito expresso por Nosso Senhor: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo” (Mt 6, 33).

Quando no seio da família se procura o Reino de Deus, ou seja, a santidade, tendo como modelo supremo Jesus, Maria e José, todo o resto — dinheiro, comida, lar, etc. — vai ser concedido por acréscimo. E mister trabalhar para ganhar o pão com o suor do rosto (cf. Gn 3, 19), mas não é essa a finalidade principal da família. Ela existe para educar os filhos na sabedoria e encaminhá-los para o Céu, pois estamos nesta Terra de passagem, preparando-os, portanto, para enfrentar as tribulações deste vale de lágrimas com vistas à eternidade. Por tal perspectiva podemos considerar melhor a Liturgia da festa de hoje, que insiste nestes pontos em cada uma de suas leituras.

Como deve ser a vida familiar santa

A primeira, do Livro do Eclesiástico (3, 3-7.14-17a), trata das obrigações da vida familiar, em particular do prêmio reservado aos que respeitam o pai e a mãe. Um dos versículos finais desta leitura indica bem o quanto é agradável a Deus o amor filial: “a caridade feita a teu pai não será esquecida” (Edo 3, 15).

Todos esses princípios podem ser sintetizados no refrão do Salmo Responsorial (cf. Sl 127, 1): “Felizes os que temem o Senhor e trilham os seus caminhos!”. O temor de Deus é um dom do Espírito Santo. O desejo de fugir do pecado por medo de ser repreendido e castigado, de ter de padecer no Purgatório ou ser condenado ao inferno, pertence ao temor servil, primeiro grau do temor de Deus. Mais alto e elevado, próprio aos amigos de Deus, é o temor filial de ofender a Deus por ser Ele quem é, o Ser absoluto e perfeitíssimo que nos criou, nos sustenta, nos remiu!2 Este Salmo nos põe no contexto da relação familiar, que precisa ser pervadida por esse temor de Deus: pai, mãe e filhos jamais quererão ofendê-Lo! Esta é a família bem constituída, imitadora da Sagrada Família.

A segunda leitura, extraída da Epístola de São Paulo aos Colossenses (3, 12-21), insiste no amor mútuo — conceito atualmente tão deturpado — como uma novidade trazida por Nosso Senhor Jesus Cristo. Com efeito, no Antigo Testamento valia a lei de talião: olho por olho, dente por dente (cf. Ex 21, 24), a qual ainda era considerada benigna para aqueles tempos em que o ódio era a regra e não havia limite moral para a vingança.

São Paulo diz: “Vós sois amados por Deus, sois os seus santos eleitos. Por isso, revesti-vos de sincera misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente se um tiver queixa contra o outro. Como o Senhor nos perdoou, assim perdoai também. Mas, sobretudo, amai-vos uns aos outros, pois o amor é o vínculo da perfeição” (Col 3, 12-14). Dentro do convívio familiar deve existir um amor intenso, nem sentimental nem romântico, de corrente do amor a Deus e visando antes de tudo a santificação do outro cônjuge e de toda a família.

É impossível — ao contrário da ideia divulgada por certos filmes ou novelas — viver sem dificuldades. “Militia est vita hominis super terram — A vida do homem sobre a Terra é uma luta” (Jó 7, 1). Eis a verdadeira chave da felicidade familiar: o respeito recíproco entre os esposos. Nunca discutirem ou se desentenderem, sempre dispostos a perdoar as fraquezas mútuas, a suportar as diferenças temperamentais, adaptando-se às preferências do outro. Eloquente exemplo da abnegação que deve imperar em cada lar encontramos no Evangelho escolhido pela Igreja para a festa da Sagrada Família.

II - OBEDIÊNCIA À VOZ DE DEUS

13a Depois que os Magos partiram . . .

Esta passagem enquadra-se nas circunstâncias que cercaram a visita dos Reis Magos a Herodes. São três os Herodes mencionados na Sagrada Escritura.3 O primeiro foi Herodes, cognominado o Grande — também chamado Ascalonita —, aludido neste Evangelho, em cujo reinado nasceu o Menino Jesus e os Santos Inocentes foram martirizados (cf. Mt 2, 16). 0 segundo foi Herodes Antipas, duramente increpado por São João Batista por sua relação adulterina com Herodíades. Por instigação dela, este tirano mandou decapitar o Precursor (cf. Mt 14, 3-10). Foi este Herodes quem interrogou Nosso Senhor no processo que culminou com sua condenação à morte (cf. Lc 23, 7-11). 0 terceiro foi Herodes Agripa, que, depois da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo aos Céus, matou São Tiago, o Menor, e prendeu São Pedro (cf. At 12, 1-3).

Os Magos, vindos do Oriente, estavam desejosos de encontrar o Salvador prometido e perguntaram a Herodes — o Grande —, com certa ingenuidade, onde estava o Rei dos judeus recém-nascido (cf. Mt 2, 2). 0 tirano tremeu ao ouvir isto, tomado de pavor, porque essa criança que acabava de nascer poderia vir a tirar-lhe o trono. Ele, um usurpador idumeu, portanto sem prerrogativa alguma para ser rei dos judeus, apoderara-se do governo por meio de manobras políticas que lhe tinham obtido o apoio de Roma.

O que fez, então, Herodes? Enganou os Magos, fingindo-se uma pessoa piedosa que, como eles, esperava a vinda do Messias, e pediu-lhes que fossem procurar o Menino para, depois, também ir adorá-Lo. Na realidade, seu intuito era aplicar o método mais usual daquela época para neutralizar opositores, e que ele empregou contra seus cunhados, seu tio, sua esposa, sua sogra, e até contra os seus próprios filhos: o assassinato. Como transcorressem os dias e os Magos não retornassem a Jerusalém conforme combinado — já que haviam sido avisados pëio Anjo em sonho das más intenções de Herodes —, as suspeitas de conspiração aumentaram, levando o infame rei a cometer mais uma atrocidade para tentar pôr fim à vida do Menino. Baseando-se no oráculo de Miqueias sobre o nascimento do Messias em Belém (cf. Mq 5, 1-2), que os príncipes dos sacerdotes lhe tinham dado a conhecer, determinou exterminar todas as crianças dessa cidade e das redondezas, de idade inferior a dois anos.4

Estamos diante de uma situação singular: o Príncipe da Paz, o Esperado das Nações apenas nasce e já suscita contra Si o ódio do demônio, que incute um pânico sem fundamento em Herodes, instigando-o a matá-Lo.

Deus respeita as autoridades legítimas

13b . . . o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José . . .

Por que o Anjo apareceu a São José e não a Maria Santíssima? Pois quem tinha uma relação direta com o Menino Deus era sua Mãe, enquanto São José era tão somente o pai adotivo, e, do ponto de vista sobrenatural, o menor na Sagrada Familia. Entretanto, como chefe da casa, a ele cabiam as decisões, e por tal motivo foi o escolhido para receber o aviso angélico.

Isso permite uma aplicação para a nossa vida: o respeito à hierarquia redunda em benefício para quem o leva a sério, é a melhor forma de progredir espiritualmente e constitui o eixo da harmonia familiar, assim como de qualquer comunidade religiosa ou instituição temporal. Pelo contrário, quem se revolta contra o superior legítimo provoca retração da graça de Deus e tem dificuldade em perseverar no caminho da virtude.

A partir do momento em que alguém — pessoa concebida no pecado original, por vezes manifestando defeitos — foi encarregado de governar, é necessário obedecer-lhe. Esta obrigação só se torna inválida quando se refere à prática do pecado, pois nenhuma autoridade, por mais alta que seja, tem o poder de revogar a Lei de Deus.

Deve-se obedecer aos avisos divinos com prontidão

13c . . . e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise! Porque Herodes vai procurar o Menino para matá-Lo”. 4a José levantou-se de noite, pegou o Menino e sua Mãe . . .

"Levanta-te, pega o Menino s sua Mãe
e foge  para o Egito!" (Mt 2,13)

Fuga para o Egito - Catedral de Colônia - Alemanha
É muito provável que o episódio narrado tenha se dado vários meses depois do nascimento do Menino Jesus, portanto não mais na Gruta — embora os Presépios nela representem a visita dos Reis Magos —, mas já numa casa em Belém,5 como consta no próprio Evangelho de São Mateus: “A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria. Entrando na casa, acharam o Menino com Maria, sua Mãe” (2, 10-11).
As palavras do Anjo são muito precisas. Ele podia ter dito: “Pega o Menino e tua esposa”. Não obstante, como São José não é o pai, “não chama seus nem a mulher nem o Menino”,6 destacando seu papel de guardião de ambos, missão aceita com humildade pelo Santo Patriarca. Flexível à vontade de Deus, São José com todo o respeito despertou Maria de um sono angélico para empreenderem logo a viagem, pois o texto do Evangelho diz que “levantou-se de noite”. Digna de nota é sua prontidão em atender à indicação do Anjo, fato do qual podemos haurir uma preciosa lição: enquanto os subalternos — neste caso Maria e Jesus em relação a São José, cabeça da família — devem obediência à autoridade, esta tem de ser muito dócil à voz da graça. Um superior nunca deve dizer “eu não sei o que fazer”, porque Deus não abandona a autoridade legítima que Ele mesmo constituiu, mas a assiste de maneira especial no desempenho da sua função. Como todo poder vem do alto (cf. Jo 19, 11), também do Céu lhe serão concedidas a inspiração e o auxílio sobrenatural para conduzir à sua finalidade os subordinados.
Se São José se esquivasse à ordem do Anjo com alguma desculpa, a História teria sido outra...

14b  . . . partiu para o Egito.

A glosa e a imaginação daqueles que escreveram sobre esta viagem a apresentam com um colorido maravilhoso. São árvores que surgem de repente para fazer sombra a Nossa Senhora e ao Menino, palmeiras que se curvam ao passar a Sagrada Família, campos de trigo que crescem no caminho para iludir os soldados de Herodes na perseguição, ídolos que desabam… não nos é dado a conhecer a veracidade desses possíveis prodígios, a despeito dos quais a viagem foi penosíssima.

São João Crisóstomo discerne neste episódio a mão misericordiosa de Deus levando um “prelúdio de boas esperanças”7 a toda a Terra, até mesmo às nações mais impiedosas, e São Leão Magno entrevê um belo significado: “ele retornava assim ao antigo berço do povo hebreu, e aí exercia a autoridade do verdadeiro José, usando de um poder e de uma previdência maior que a dele, pois vinha libertar os corações dos egípcios desta fome, mais terrível que toda penúria de que padeciam pela ausência da verdade”.8 De fato, tendo outrora castigado o Egito para libertar Israel das mãos do Faraó, na sua infinita compaixão quis Deus contrabalançar o furor de sua cólera dando a esta nação, durante algum tempo, o dom imenso da presença de Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora e São José para santificá-la e lhe dar uma compensação sobrenatural pelos castigos recebidos no passado.

A desordem gerada pelo pecado já é um castigo

15 Ali ficou até a morte de Herodes, para se cumprir o que o Senhor havia dito pelo profeta: “Do Egito chamei o meu Filho”. 19a Quando Herodes morreu . . .

Há quem diga que Deus não castiga. O certo é que a desordem provocada na natureza humana pelo pecado já é uma primeira punição pela violação da ordem. No caso de Herodes, como qualificar as circunstâncias trágicas de sua morte? Castigo de Deus ou fruto corrompido de uma vida criminosa? De qualquer forma, é proveitoso conhecer alguns detalhes de seus últimos dias, pois permitem uma boa reflexão sobre as consequências do pecado.

Os degraus de seu trono foram cimentados com o sangue e a injustiça. Para cingir a coroa, conquistou de assalto a Cidade Santa após um prolongado cerco, ocasionando, segundo o historiador Flávio Josefo,9 uma tremenda carnificina que não poupou anciãos, mulheres e crianças. Uma vez consolidado o poder, não faltaram resistências ao seu governo, que ele soube vencer através de artimanhas e novas infâmias, granjeando o ódio do povo e atraindo sobre si a maldição de todos os judeus zelosos da Lei. Vivia obcecado pelo receio de que alguma conspiração palaciana pusesse fim a suas ambições, e a menor oposição a seu domínio era punida com a morte, da qual nem sequer seus familiares puderam escapar. Conta-se que o imperador Augusto, horrorizado com tanta crueldade, chegou a comentar que preferiria ser um porco de Herodes a ser seu filho, pois como o tirano não se alimentava deste animal ele estaria tranquilo, enquanto se fosse filho corria o risco de ser executado.

A enfermidade que o levou à morte provocou-lhe dores atrozes, violentas convulsões e uma terrível gangrena em suas entranhas. Os vermes que o devoravam eram visíveis e o odor exalado insuportável.10
Estes terríveis males que lhe corroeram a carne, ainda antes de morrer, bem simbolizam sua consciência, a qual não lhe deu sossego até o último instante e fez de sua vida um inferno. Herodes foi um homem que alcançou tudo quanto seus delírios de cobiça lhe exigiam: poder, honras, riquezas, prazeres. Não teve, porém, o afeto sincero de ninguém, nem mesmo da própria família, que ele submergiu em sangue. 

Não conheceu a paz interior, nem gozou do favor inestimável das bênçãos do Céu. Seus desregramentos afastaram-no da felicidade e da alegria concedidas a quem segue a Lei de Deus.

Nunca nos apeguemos à nossa própria situação

19b . . . o Anjo do Senhor apareceu em sonho a José, no Egito, 20 e lhe disse: “Levanta-te, pega o Menino e sua Mãe, e volta para a terra de Israel; pois aqueles que procuravam matar o Menino já estão mortos”. 21 José levantou-se, pegou o Menino e sua Mãe, e entrou na terra de Israel.

A flexibilidade incondicional de São José à inspiração divina, mais uma vez, sobressai. O que representava de esforço e de sacrifício sair de sua terra de origem e ir para um país estrangeiro com língua e costumes diferentes, naquele tempo, é incalculável. Como obter meios de subsistência a fim de manter a Sagrada Família? Nada disso nos diz o Evangelho, mas é fácil conjecturar. Quando eles saíram de Belém, o fizeram às pressas, para se pôr a salvo da perseguição de Herodes, sem tempo de preparar convenientemente tão longa viagem.

No Egito, fora da jurisdição de Herodes, era-lhes permitido viver tranquilos e quiçá José tenha se firmado ali com a ajuda da comunidade judaica, então florescente. Várias localidades disputam a honra de ter acolhido a Sagrada Família: no Cairo, a igreja de Abu Sargha é considerada o lugar da casa de Jesus, Maria e José; outras tradições apontam para o mosteiro de Koskâm ou para a cidade de Hermópolis.11

Ao receber a ordem de voltar para Israel, São José poderia alegar a situação que já tinha atingido no Egito, onde fora tão difícil se estabelecer no início, e pedir o adiamento do retorno. Mas ele não se queixa nem discute com o Anjo: levanta-se e parte sem delongas para a terra natal. Assim deve ser um superior quando ouve a voz da graça: à imitação de São José, obedecer de imediato com toda segurança.

A sabedoria dos planos da Providência

22 Mas, quando soube que Arquelau reinava na Judeia, no lugar de seu pai Herodes, teve medo de ir para lá. Por isso, depois de receber um aviso em sonho, José retirou-se para a região da Galileia, 23 e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Isso aconteceu para se cumprir o que foi dito pelos profetas: “Ele será chamado Nazareno”.

Ao chegar a Israel, São José soube que o filho de Herodes subira ao trono da Judeia e teve receio de que algum mal pudesse atingir o Menino. Com efeito, embora Arquelau não conseguisse superar seu pai em crueldade, empenhou-se em seguir-lhe os passos, deixando também um rastro de sangue em seu curto reinado. Por isso José, inspirado em sonho, partiu para a Galileia, lugar sob outra jurisdição.

Vemos neste fato a mão de Deus, que designara aquela terra para acolher os primórdios da missão redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tais são os caminhos da nossa existência, atravessados por imprevistos que nos mudam os planos: ora Deus pede uma coisa, ora pede outra. Entretanto, em tudo o que acontece Ele nos dirige com sabedoria e afeto paternal.

III – A SAGRADA FAMÍLIA, EXEMPLO NAS DIFICULDADES DA VIDA

Eis o aspecto maravilhoso da família quando se desenvolve em torno de um eixo: a Lei de Deus, o próprio Deus. A Igreja nos propõe nesta festa litúrgica o inigualável exemplo da Sagrada Família: São José, obediente, de nada se queixa; Nossa Senhora toma os reveses com inteira cordura e submissão; e o Menino Jesus Se deixa conduzir e governar por ambos, sendo Ele o Criador do Universo. Nós também devemos, portanto, ser flexíveis à vontade de Deus e estar dispostos a aceitar com doçura de coração, com resignação plena e total, os sofrimentos que a Providência exigir ao longo de nossa vida. 

Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude
Sagrada Família - Catedral de Prato (Itália)

Esta atitude diante da cruz é a raiz da verdadeira felicidade, bem-estar e harmonia familiar, e atrai sobre cada um de nós graças especialíssimas que nos restauram as almas, curando-as das misérias e firmando-as rumo ao Céu. Peçamos à Sagrada Família que, por sua intercessão, floresça nas famílias de toda a Terra a sólida determinação de abraçar sempre mais a via da santidade, da perfeição e da virtude, buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e de Maria, na certeza de que, em compensação, o resto virá por acréscimo.

1) BONSIRVEN, Si, Joseph. Le judaïsme palestinien au temps de Jésus-Christ. 2.ed. Paris: Gabriel Beauchesne, 1935, t.II, p.207.
2) Cf. PHILIPON, OP, Marie-Miche!. Los dones dei Espíritu Santo. Barcelona: Balmes, 1966, p.332-335.
3) Cf. SCHUSTER, Ignacio; HOLZAMMER, Juan B. Historia Bíblica. Nuevo Testamento. Barcelona: Litúrgica Española, 1935, t.II, p.74 77; TRICOT, Alphonse Elie. Le monde juif au temps de Notre-Seigneur. In: ROBERT, André; TRICOT, Alphonse Elie (Dir.). Initiation biblique. Introduction à l’étude des Saintes Ecritures. 2.ed. Paris: Desclée, 1948, p.693-700.
4) Para outros comentários a respeito deste tema, ver: CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Diante do Rei, os bons reis e o mau. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. N.85 (Jan., 2009); p.10-19; Comentário ao Evangelho da Solenidade da Epifania do Senhor — Anos A, B e C, respectivamente nos Volumes I, III e V desta coleção.
5) Cf. FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Infancia y Bautismo. Madrid: Rialp, 2000, v.1, p.187-l88; FERNANDEZ TRUYOLS, SJ, Andrés. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. 2.ed. Madrid: BAC, 1954, p.60.
6) SAO JOAO CRISOSTOMO. Homilía VIII, n.2. In: Obras. Homilías sobre el Evangelio de San Mateo (1-45). 2.ed. Madrid: BAC, 2007, v.1, p.150.
7) Idem, p. 149.
8) SAO LEAO MAGNO. In Epiphani Solemnitate. Sermo III, hom.14 [XXXIII], n.4. In: Sermons. 2.ed. Paris: Du Cerf, 1964, v.1, p.233.
9) Cf. FLAVIO JOSEFO.Antiguidades judaicas. L.XIV c.28, n.623.
10) Cf. Idem, LXVII, c.8, 11.739.
11) Cf. TUYA, OP, Manuel de. Biblia Comentada. Evangelios. Madrid: BAC, 1964, vV, p.42.





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