Ao longo de seus noventa e dois anos, Dona Lucília conservou intacta sua túnica batismal Uma das últimas fotografias de Dona Lucília, tirada por Mons. João Clá Dias, EP, fundador dos Arautos do Evangelho |
Tesouro de qualidades
“lucilianas”
A sublimidade maternal
de Dona Lucília,
imagem viva de outra Mãe:
a Santa Igreja
Era o dia 21 de abril de
1968. Dona Lucília Ribeiro dos Santos Corrêa de Oliveira se encontrava no seu
leito de dor. Deitada, sem apoio em travesseiros, com os braços estendidos ao
longo do corpo, os olhos fechados, tranquila, ela movia somente os lábios: com
certeza rezava.
Sentindo em seu coração
haver chegado a hora da solene despedida desta vida, com decisão retirou a mão
segura pelo médico, e com gesto delicado, mas firme, sem manifestar esforço ou
dificuldade, fez um grande e lento sinal-da-cruz. Depois repousou no peito suas
mãos alvíssimas, uma sobre a outra, e serenamente expirou, na véspera do dia em
que completaria 92 anos . . .
A alegoria da videira,
utilizada por Nosso Senhor no Evangelho, deixa patente que um sarmento só
subsiste enquanto está ligado ao restante da planta, recebendo a seiva
proveniente do caule e das raízes do vegetal; portanto, se esse ramo é
arrancado, murcha, seca e morre. Em suma, a vida lhe advém da própria videira
(Jo 15, 1-7). Essa figura, que representa nossa total dependência de Deus, não
é tão forte como a realidade, também criada por Ele, do vínculo existente entra mãe e filho.
Algumas vezes na história,
para preparar um homem com uma missão muito importante, a Providência começa
por santificar a mãe. No Antigo Testamento, Ana, mãe de Samuel, depois de
suplicar a Deus, alcançou a graça de ser a mãe do mais jovem profeta de Israel.
(I Sm 1).
Ao analisar o período
posterior à vinda de Cristo, vemos com frequência homens escolhidos por Deus,
em especial os Santos, serem favorecidos por uma origem familiar
particularmente abençoada, que os ajuda a abraçar a via da santidade. Vários
santos gozaram do privilégio de nascer em verdadeiramente lares católicos como
São João Bosco; São João Maria Vianney, o Santo Cura d’Ars; São Luís IX, Rei da
França, o rei nascido do Rosário; São Domingos de Gusmão, Santo Agostinho, São
João Batista e tantos outros.
Por conseguinte, podemos
afirmar com inteira propriedade serem as mães, quando boas, aquelas que mais
santificam; porém, quando não, aquelas que mais arruínam.
Não esqueçamos, sobretudo,
que o grande Homem providencial por excelência, Nosso Senhor Jesus Cristo,
também esteve unido à sua Mãe. Tendo chegado o momento de encarnar-Se, a
Segunda Pessoa da Santíssima Trindade preparou com todo o esmero uma
extraordinária Mãe, pois Ele queria ter no início de sua vida terrena, como
raiz, uma pessoa da categoria d’Ela.
Dona Lucília, modesta, pequena e ignorada, foi o berço que flutuou sobre as águas da Revolução e salvou seu filho Plinio. Fotografia de Dona Lucília, em Paris |
A seguir, serão estampadas
algumas considerações de como Dona Lucília, com sua incansável solicitude
materna, preparou seus filhos para corresponderem com generosidade à ação
santificadora da Igreja de Deus, principalmente sobre o seu filho Plinio Corrêa
de Oliveira, mestre do Fundador dos Arautos do Evangelho, Mons. João Clá Dias,
EP.
Ela lhes ensinara a
compreender e amar a fundamental importância no convívio humano. Quando duas ou
mais pessoas têm afinidade entre si, sentem-se mutuamente atraídas por um
movimento cheio de benevolência, o qual é a substância da amizade. Esta não
será real e autêntica se estiverem ausentes o amor de Deus, a ternura, a
afabilidade, a paciência e a compaixão.
É preciso ter conhecido
Dona Lucília para avaliar o quanto seu coração estava distante de qualquer
ressentimento ou desejo de vingança, nunca tisnou sua bela alma o mais leve
movimento de alegria pelo mal ocorrido a alguém. Sua amizade, uma vez
concedida, jamais era rompida, e a compaixão para com os sofredores tinha toda
a amplitude aconselhada pelo Divino Salvador nos Evangelhos. Assim, foi a suavidade uma
das primeiras virtudes que Dona Lucília, de forma modelar, procurou transmitir
a quem dela se aproximava.
Outro exemplo perfeito, a
se destacar no belo jardim de suas qualidades, era o da intransigência face ao
mal, que se manifestava sob as mais variadas formas segundo as circunstâncias.
Assim, ao corrigir os filhos por alguma falta, empenhava-se em lhes mostrar a
gravidade do ato praticado, salientando o quanto aquilo ofendia a Deus, de modo
a incutir-lhes um profundo horror ao pecado.
Dona Lucília exaltava os talentos alheios e nunca procurava chamar a atenção para as qualidades dos filhos Plinio na sua infância |
De outro lado, por sua
fidelidade aos princípios católicos, rejeitava o espírito de tolerância que se
ia introduzindo na mentalidade de seus contemporâneos. Razão pela qual, estando
Dona Lucília presente numa conversa, nunca deixava passar sem reparos alguma
crítica à Santa Igreja ou à Religião. Este não transigir face ao mal foi outro
tesouro por ela legado a seus tão queridos filhos.
Além disso, Dona Lucília
tinha o grande mérito de saber admirar os predicados do próximo, sugerindo a
Roseé e a Plinio, pelo inconfundível e atraente exemplo que dava, procederem
desse modo. Com frequência, o dinamismo de seu contentamento se voltava todo
para a exaltação dos talentos alheios. Em contrapartida, não se comparava com
ninguém, nunca se referia a algum elogio que tivesse recebido, nem procurava
chamar a atenção, mesmo que indiretamente, para alguma qualidade própria ou de
seus filhos.
A reversibilidade no
espírito de Dona Lucília era uma de suas notáveis qualidades. Em meio ao
inocente júbilo do Natal havia sempre nela um fundo de tristeza, pois via
despontar ao longe o drama da Paixão. Em sentido oposto, ao considerar a Morte
de Nosso Senhor, algo em sua alma já denotava as alegrias triunfais da
Ressurreição.
Dona Lucília representava
uma semente dourada e magnífica, cheia de irisações de algo que haveria de bom
no futuro. A esse respeito, é ilustrativo um comentário feito por seu filho,
Doutor Plinio:
A paciência de Dona Lucília foi a base para que Doutor Plinio tivesse inteira confiança em Nossa Senhora |
“Ela retivera sobretudo os
lados bons do século XIX, que eram as tradições medievais ainda vivas; e sua
alma era uma continuação disso. De maneira que eu comecei a amar nela a Idade
Média, e muitas vezes pensava; ‘Como é parecida com mamãe’.
“Ela é o hífen, a ponte
entre tudo o que houve outrora e o futuro. Ela representava o último pranto do
passado, chorando por morrer. E o filho dela, Nossa Senhora destinou para
fundar uma família de almas que seria o raiar da Idade Média ressurrecta no Reino
de Maria.
Quer dizer, a palavra hífen diz pouco; é a semente de uma árvore
esplendorosa que morre, mas da qual vai nascer outra árvore ainda maior. Essa
semente foi ela: modesta, pequena, ignorada, sem deixar atrás de si outro
rastro a não ser esse, mas deixando esse. E esse é o grande papel histórico
dela, a grande missão dela”.
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