Maria, Mãe espiritual dos homens
Ao ver sua Mãe e junto dela o
discípulo que Ele amava,
Jesus disse à sua Mãe: "Mulher,
eis aí o teu filho".
Depois disse ao discípulo: “Eis
aí a tua Mãe” (Jo 19, 26-27).
Em que sentido Maria é nossa Mãe
Por que estamos acostumados a chamar à Santíssima
Virgem de nossa Mãe?
“Há alguns que pensam ser Maria nossa Mãe
especialmente pelo amor, pelos cuidados maternais de que usa para conosco. É
muito pouco.
Depois disse para o discípulo: "Eis aí tua Mãe". E desde aquela hora o discípulo tomou-a sob seus cuidados. (Jo 19,27) Maria, Mãe de Jesus Cristo, nosso irmão, é nossa Mãe |
"Dizer simplesmente que Maria é nossa Mãe adotiva, embora seja isto verdade porquanto não é nossa mãe natural, não exprime toda a grande realidade de sua maternidade a nosso respeito. A mãe adotiva não tem, realmente, senão uma relação afetiva com o filho e alguns direitos sobre ele. Não foi ela que transmitiu a vida ao filho adotivo.
“Maria é, ao invés disso, nossa Mãe verdadeira, não propriamente carnal, mas
espiritual; não natural, mas sobrenatural. Esta verdade é a consequência
lógica, necessária, da cooperação de Maria para a nossa redenção, ou seja,
nossa regeneração para a vida da graça.
“Com efeito, mãe é aquela que coopera para dar a
vida e, quando a tem dado, a protege, até que haja atingido seu pleno desenvolvimento.
Ora bem, a Virgem Santíssima cooperou com o Divino Redentor para dar-nos a vida
sobrenatural da graça, vida divina da qual, desgraçadamente, havíamos sido
privados pelo pecado de nossos primeiros pais. A graça é princípio de vida,
princípio vital; é para a alma o que a mesma é para o corpo. É a alma que dá ao
corpo o vigor, o movimento, em uma palavra, toda a sua vida. De modo
semelhante, é a graça que dá à alma uma vida nova, a vida dos filhos adotivos e
dos amigos de Deus; por isso, é chamada com justiça a alma de nossa alma.
“Isto posto, é evidente que, desde o momento em
que a Virgem Santíssima cooperou para nos obter a vida da graça, devemos saudar
nEla a fonte de nossa vida sobrenatural, nossa Mãe verdadeira.
“Certo é que não existe dessa grande e
consoladora verdade uma definição explícita e solene da Igreja, Mas, os Sumos
Pontífices têm muitas vezes feito referência a isso como uma verdade
indiscutível. Assim, para citar somente os mais recentes, Bento XIV, Pio IX,
Leão XIII e São Pio X, Pio XI e Pio XII, falaram
de modo que suas palavras não deixam mais lugar a nenhuma dúvida a respeito da verdade da maternidade espiritual da Virgem Santíssima”
de modo que suas palavras não deixam mais lugar a nenhuma dúvida a respeito da verdade da maternidade espiritual da Virgem Santíssima”
E se não bastasse o reiterado ensinamento dos
Papas, temos ainda os claros e explícitos testemunhos da Sagrada Escritura e da
Tradição.
A voz da Sagrada Escritura
Cristo, nosso irmão
“Comecemos
pela Sagrada Escritura. Esta nos põe nas mãos três argumentos irrefutáveis para
provarmos a maternidade espiritual de Maria. O primeiro desses argumentos se
tira do fato de Jesus, na Sagrada Escritura, ser proclamado nosso irmão – “Fazei-o
saber a meus irmãos” (Mt 28,10): assim disse Ele, falando de uma comunicação a
fazer-se a seus discípulos. E São Paulo, falando dEle, O chama, sem mais, de “primogênito
entre muitos irmãos” (Rom 7,29).
Disse-lhes então Jesus: "Não tenhais medo, ide e dizei a meus irmãos que vão à Galileia e lá me verão" (Mt 28,10) Nosso Senhor Jesus Cristo, filho de Maria, é nosso irmão |
Nossa incorporação em Cristo
“Não
raro o Apóstolo fala de nossa incorporação mística em Cristo, por força da qual
todos os homens constituem com Ele um só Corpo Místico, de que Ele é a Cabeça
(Rom 12,5), de onde a vida sobrenatural flui para os membros. Ora, os membros
são concebidos, juntamente com a cabeça, pela mesma mãe. Todos os homens,
membros místicos de Cristo, foram, portanto, juntamente com Ele, nossa Cabeça,
misticamente concebidos por Maria e dEla nascera. Este é o fundamento supremo
da maternidade espiritual de Maria, promulgada por Cristo do alto da Cruz.
A promulgação da maternidade espiritual
“O
terceiro argumento que nos fornece a Sagrada Escritura e sobre o qual se tem
discutido muito vivamente é tirado das palavras que Jesus, do alto da Cruz,
dirigiu a Maria e a João. Voltando-se para Maria e mostrando-Lhe João, disse
Jesus: “Mulher, eis aí teu filho”; voltando-se, em seguida, para o discípulo e
mostrando-lhe Maria, disse-lhe: “Eis tua Mãe” (Jo 19,27).
“Do
século XII em diante, a grande e incontestável maioria dos teólogos tem
reconhecido nessa passagem evangélica a promulgação solene da maternidade
espiritual de Maria, feita pelos lábios
do próprio Redentor.
“Com
estas palavras, efetivamente, Cristo Crucificado quis recomendar à Sua Mãe, na
pessoa de João, todos os fieis como filhos, no momento em que, ao consumar-se a
Redenção, todos nasciam para a vida sobrenatural da graça.
“Não
é, pois, verossímil que tenha querido interromper, mesmo por um só instante,
esta ação sublime, a ação por excelência, ação perfeita, para pensar somente na
recompensa do discípulo amado e no arrimo temporal de sua Mãe. Não é verossímil
que, mesmo por um só instante, tenha querido apartar seus pensamentos do
negócio público que era a salvação do mundo para ocupar-se exclusivamente de
interesses pessoais e privados.
“Nada
é, decerto, mais justo, mais religioso e mais santo, geralmente falando, do
que, ao morrer, um filho pense em sua terna mãe; um mestre, em seu discípulo
fiel. Mas, considerando-se a função augustíssima, o nobilíssimo encargo de que
se desempenhava, morrendo, o Filho de Deus; considerando-se o caráter muito particular,
o modo sublime de sua morte, não podia Ele, nem por um só instante, ocupar-se
da Mãe e do discípulo, sem descer, de certo modo, da altura de sua categoria,
da sublimidade de seu grau de personagem público, de vítima universal; sem
alterar a perfeição, a integridade de sua oferta, na qual tudo que Lhe era
pessoal e próprio era por Ele sacrificado, entregue, aplicado, transfundido em
nós.
“Exigem
tal interpretação, ainda, a circunstância
de lugar em que Nosso Senhor Jesus Cristo pronunciou as referidas palavras.
“Em
segundo lugar, o Evangelista designa a si mesmo não exatamente com o nome de
João, mas com o nome de discípulo, e
discípulo amado de Jesus. Enquanto todos os outros discípulos haviam abandonado
a Jesus, só ele foi levado por Deus para junto da Cruz, a fim de que fosse
representada por ele toda a raça dos fieis e dos filhos de Deus.
Razões
que justificam a promulgação
da maternidade espiritual, no Calvário
O
substrato material, a circunstância do lugar, as palavras mesmas que foram
usadas requerem tal interpretação.
O substrato material
“Antes
de tudo, requere-a o substrato material. Como observa São Leão, entre a morte
do Salvador e a de seus mártires existe, além de outras, a diferença de que
estes deram a vida, cada um, por conta própria, sendo sua morte singular e
privada. Jesus Cristo, pelo contrário, deu sua vida pelos outros e sua morte é
uma morte comum, pública, universal. Defendia Ele, então, a causa de todos os
homens, como de todos os homens trazia consigo e representava a natureza, sem a
culpa.
Cristo quis recomendar à sua Mãe, na pessoa de João, todos os fieis como filhos |
“É
verdade que, naqueles mesmos momentos misteriosos, pensou em assegurar o perdão
aos que O crucificavam e o Paraíso a um ladrão. Mas, assim como o perdão foi
implorado conjuntamente para todos os pecadores e foi prometido aos penitentes
conjuntamente, também aquela prece e aquela promessa, embora expressa em termos
particulares e privados, tinha um escopo público e universal. Passaram,
portanto, a fazer parte do sacrifício público e universal, que era oferecido.
“Pela
mesma razão, pois, também a declaração da nova maternidade de Maria e da nova
filiação de João, embora feita com expressões pessoais e privadas, deve ter
tido um alcance público e universal para estar em harmonia e fazer um todo com
os pensamentos e sentimentos de interesse público com os quais, naqueles
preciosos momentos, Jesus Cristo se achava inteiramente ocupado.
“O
discípulo deve ter representado, portanto, todos os verdadeiros crentes, assim
como os algozes, segundo a enérgica expressão de São Paulo, representavam todos
os pecadores; o bom ladrão deve ter representado todos os verdadeiros
penitentes; a adoção de São João terá compreendido também a nós. Somente assim
essa última disposição de Jesus se engrandece, se eleva, se enobrece, se
distende. Não é mais um ato do Filho Unigênito de Maria, do Mestre pessoal de
João, mas um ato também do Salvador universal dos homens, digno por isso do
Personagem que o praticou, do tempo e lugar onde se realizou.
A circunstância de lugar
Num lugar extraordinariamente público, em presença de inúmeras testemunhas, o Divino Redentor nos deixou Maria como Mãe A Crucifixão, por Gustave Doré |
“Pronunciou-as
em um lugar extraordinariamente público,
na presença de muitas testemunhas. Isto nos persuade de que não se referia
somente a João, mas a todos os que abraçariam a fé em Cristo Redentor. Com
efeito, se se tivesse referido só a João, aquela recomendação deveria ter sido
feita, de preferência, antes da Paixão; durante o tempo, de fato, em que a
Virgem Santíssima tinha tido uma necessidade enorme de que alguém Lhe houvesse
servido de filho; e João teria tido uma necessidade especial da ajuda da Virgem
para não falhar em sua fé e fidelidade.
“Além
disso, se Jesus tivesse querido fazer uma recomendação de caráter puramente
privado, não deveria ter falado em um lugar tão público como o Calvário,
manifestando-a na presença de tantas e tão diversas testemunhas.
As palavras
“Exigem
a mesma interpretação, por fim, as próprias
palavras usadas por Cristo.
“Com
efeito, em primeiro lugar, chama a Maria com o nome de mulher e não com o nome de Mãe,
como para significar que, naquele momento, Maria se tornava a mulher por
excelência, isto é, não só a mulher cheia de fortaleza em face da paixão de seu
Filho, mas a mulher reparadora das desgraças causadas pela primeira mulher; a
mulher que devia esmagar com sua descendência a cabeça da serpente, como fora
predito no Gênese. Mas, também usa Ele de um modo muito especial o nome de mulher para assinalar que esta era a
segunda Eva, que nos devia gerar novamente para a vida da graça, perdida por
obra da primeira Eva.
Nossa Senhora Auxiliadora Casa Monte Carmelo Arautos do Evangelho - São Paulo |
“Em
terceiro lugar, deve-se observar que as duas frases: Eis a tua Mãe! Eis o teu filho! são correlativas, ou seja, exprimem
claramente uma relação de maternidade da parte de Maria e uma relação de
filiação por parte de São João. Posto isto, se Jesus tivesse querido apenas
recomendar sua Mãe Santíssima aos cuidados de
São João, teriam bastado evidentemente, para exprimir essa recomendação,
as palavras: Eis tua Mãe! E não haveria
necessidade de acrescentar as outras: Eis
teu filho!
“É,
pois, todo o povo remido, conclui Bossuet, são todos os membros da Igreja, que
Jesus recomenda à Virgem Santa na pessoa de seu discípulo dileto; por força
dessa divina palavra, Ela se torna não só a Mãe de São João, mas a Mãe de todos
os fieis.
“As
palavras dirigidas por Jesus Crucificado à sua Mãe e ao discípulo proclamam, portanto, a
maternidade espiritual e universal de Maria.” (2)
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