Ressurreição de Lázaro, por Giotto di Bondone Cappella degli Scrovegni, Pádua (Itália) |
noite, tropeça, porque lhe falta a luz.” 11 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme. Mas Eu vou acordá-lo”. 12 Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme vai ficar bom.” 13 Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que falasse do sono mesmo. 14 Então disse Jesus abertamente: “Lázaro está morto. 15 Mas por causa de vós, alegro-Me por não ter estado lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele.” 16 Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos nós também para morrermos com Ele.” 17 Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado havia quatro dias. 18 Betânia ficava a uns três quilômetros de Jerusalém. 19 Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria para as consolar por causa do irmão. 20 Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro dele. Maria ficou sentada em casa. 21 Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. 22 Mas mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus, ele te concederá”. 23 Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. 24 Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último dia”. 25 Então Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. 26 E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” 27 Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”. 28 Depois de ter dito isto, ela foi chamar a sua irmã, Maria, dizendo baixinho: “O Mestre está aí e te chama”. 29 Quando Maria ouviu isso, levantou-se depressa e foi ao encontro de Jesus. 30 Jesus estava ainda fora do povoado, no mesmo lugar onde Marta se tinha encontrado com Ele. 31 Os judeus que estavam em casa consolando-a, quando a viram levantar-se depressa e sair, foram atrás dela, pensando que fosse ao túmulo para ali chorar. 32 Indo para o lugar onde estava jesus, quando O viu, caiu de joelhos diante d’Ele e disse-Lhe: “Senhor, se tivesses estado aqui, o meu irmão não teria morrido”. 33 Quando Jesus a viu chorar, e também os que estavam com ela, estremeceu interiormente, ficou profundamente comovido, 34 e perguntou: “Onde o colocastes?” Responderam: “Vem ver, Senhor”. 35 E Jesus chorou. 36 Então os judeus disseram: “Vede como ele o amava!” 37 Alguns deles, porém, diziam: “Este, que abriu os olhos ao cego, não podia também ter feito com que Lázaro não morresse?” 38 De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. 39 Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio: “Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias”. 40 Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” 41 Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para o alto e disse: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste. 42 Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me rodeia, para que creia que tu me enviaste”. 43 Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” 44 O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar!” 45 Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele (Jo 11, 1-45).
A ressurreição de Lázaro
O grande amor de
Jesus àquela família de Betânia tornava incompreensível sua aparente
indiferença perante a enfermidade de Lázaro. Mas quando Deus tarda em intervir
é por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância.
I - PRESSUPOSTOS
O porquê dos milagres
Ao conceder a um taumaturgo a faculdade
de realizar milagres - explica São Tomás - Deus tem por objetivo
"confirmar a verdade por este ensinada" (1). O motivo principal se
encontra na fé, pois a razão humana não tem suficiente altura para acompanhar
os horizontes dessa virtude, e por isso muitas vezes é necessário serem as
afirmações de caráter sobrenatural confirmadas pelo poder de Deus. Esses atos
que excedem as forças da natureza propiciam uma acrescida facilidade em crer na
procedência divina de tudo quanto é transmitido a respeito de Deus.
Ademais, através dos milagres, torna-
se patente a presença de Deus no taumaturgo.
Deus torna patente sua presença através dos milagres do taumaturgo - Santo Antônio, o milagre da cura do pé amputado, por Tiziano - Scuola del Santo Pádua (Itália) |
Prova da divindade de Jesus
São João escreveu seus vinte e um
capítulos com a preocupação de tornar demonstradas pelos fatos tanto a origem
divina da doutrina de Jesus quanto a onipotência de sua Pessoa. E, conforme nos
explica São Tomás, os milagres operados pelo Redentor são prova de sua
divindade:
“Em primeiro lugar, por sua espécie. De
fato, transcendiam todo o poder criado e não poderiam ser feitos senão por um
poder divino. […] Em segundo lugar, pelo modo como foram feitos. Cristo fazia
os milagres por um poder próprio, não orando, como outros fizeram”. (2).
Além de encontrarmos elevados aspectos
sobrenaturais através dos quais melhor conhecemos o Salvador em suas duas
naturezas, e, assim, mais podemos amá-Lo, nesta narração de São João se
confirma seu estro literário. Ela é bela, atraente e comovedora,
constituindo-se como única em seu gênero. Consagra historicamente os preciosos
detalhes do mais importante milagre de Jesus, que Lhe conferiu uma grande glória
- levando à crença um bom número de judeus - e, ao mesmo tempo, produziu o
máximo grau de ódio nos seus inimigos, a ponto de apressá-los em seus intentos
deicidas. Este episódio tão pervadido de pulcritude divina e humana será a
causa imediata da fúria do Sinédrio e consequente determinação da morte de
Jesus.
A pluma do Evangelista percorre o
pergaminho, confirmando em cada versículo o agudo senso de observação do
escritor, como também tornando patente ter sido ele uma exímia testemunha
ocular, digna de fé, de todo o ocorrido. Quem poderia compor ou imaginar os
minuciosos pormenores de veracidade transparente, como, por exemplo, as
palavras, a emoção e as próprias lágrimas do Filho de Deus feito Homem, que
fluem com leveza da escrita do Autor Sagrado? É escrupulosa sua fidelidade na
transmissão da realidade que pode ser dividida em três partes distintas: o
retorno de Jesus a Betânia, o encontro e a conversa com Marta e Maria, e a
ressurreição de Lázaro.
II - ANÁLISE DO EVANGELHO
O retorno de Jesus a Betânia
Naquele tempo, 1 havia um doente, Lázaro, que era de Betânia, o povoado de Maria e de
marta, sua irmã. 2 Maria era aquela que ungira o Senhor com perfume e
enxugara os pés com seus cabelos. O irmão dela, Lázaro, é que estava doente. 3 As irmãs de Lázaro mandaram dizer a Jesus: “Senhor, aquele que amas
está doente”. 4 Ouvindo isto, Jesus disse: “Esta doença não leva à
morte; ela serve para a glória de Deus, para que o Filho de Deus seja
glorificado por ela”. 5 Jesus era muito amigo de Marta, de sua irmã Maria
e de Lázaro. 6 Quando ouviu que este estava doente, Jesus ficou
ainda dois dias no lugar onde se encontrava. 7 Então, disse aos discípulos: “Vamos de novo à Judeia”. 8 Os discípulos disseram-lhe: “Mestre, ainda há pouco os judeus queriam
apedrejar-Te, e agora vais outra vez para lá?” 9 Jesus respondeu: “O dia não tem doze horas? Se alguém caminha de dia,
não tropeça, porque vê a luz deste mundo. 10 Mas se alguém caminha de noite, tropeça, porque lhe falta a luz.”
Para tornar
bem claro quem era o enfermo em questão, São João o apresenta como sendo o
irmão de Marta e Maria. Ressalta a figura desta última por se tratar de uma
pessoa muito conhecida e comentada em toda Israel, devido à sua impressionante
conversão e seu belíssimo ato de arrependimento em casa de Simão, o fariseu
(3). É interessante notar o acerto do nome "Lázaro" que significa:
"ajudado", ou, "Deus socorreu".
Fazia muito
que Jesus pregava na região da Peréia, à distância de uma jornada de Betânia.
Com enorme solicitude e carinho por Lázaro, tal qual costumam ser as irmãs
quando de boa índole, Marta e Maria enviam um mensageiro para avisá-lo do
estado de saúde do irmão.
Transparece na atitude de Marta e Maria um profundo espírito de fé na onipotência do Salvador e, ao mesmo tempo, uma nobre e fraternal dedicação Lázaro, Marta e Maria - Museu Lázaro Galdiano, Madrid |
E, de fato,
é o que teria acontecido se Jesus não tivesse querido se aproveitar do
pretexto da morte de seu amigo “para a glória de Deus, para que o Filho de Deus
seja glorificado por ela”, conforme Ele próprio o afirma.
Grande
perplexidade devem ter tido ambas, ao receberem a resposta do Senhor, dois dias
depois do falecimento de Lázaro devem ter tido ambas, ao receberem a resposta
do Senhor, dois dias depois do falecimento de Lázaro: "Esta doença não
leva à morte..." . Maior aflição ainda deveu-se ao fato de Jesus não se
ter movido para se encontrar com o amigo nem com suas irmãs.
Essa é bem
a provação pela qual passam as almas aflitas que imploram a intervenção de Deus
e julgam não serem atendidas, devido à demora ou a uma aparente inércia da
parte do Céu. Quão benfazeja é esta passagem para nos convencer a jamais
descrermos da onipotência da oração perfeita! Quando Deus tarda em intervir é
por razões mais altas e porque certamente nos dará com superabundância. E aí
está o procedimento de Jesus para com aqueles aos quais ama: “Jesus era muito
amigo de Marta, de sua irmã Maria e de Lázaro”. O grande amor de Jesus àquela
família tornava ainda mais incompreensível sua como que indiferença, pois,
"tendo ouvido que Lázaro estava doente, ficou ainda dois dias no lugar
onde se encontrava".
Que grande
voo de espírito era necessário para seguir o Divino Mestre diante da
incompreensibilidade de suas atitudes! Nenhum dos dois lados chegava a atinar
com o alcance da meta política do Salvador. As irmãs deviam estar desmontadas
em suas esperanças, acompanhando do lado de fora do sepulcro a lenta mas progressiva
decomposição do corpo de seu irmão. Os Apóstolos, por sua vez, não podiam
entender o porquê da ida de Nosso Senhor à Judéia. Já havia curado tantos
necessitados à distância, qual a razão de penetrar numa terra onde era
perseguido de morte? E só por causa de um enfermo? " “Mestre, ainda há pouco os judeus
queriam apedrejar-Te, e agora vais outra vez para lá?”, diziam eles. Não seria
melhor operar o milagre à distância?
A
perspectiva psicossocial na qual os discípulos procuravam delinear a figura do
Messias era essencialmente diferente da realidade que se desenrolava diante dos
olhos de todos. Neles se encontrava uma constante do espírito humano, a de
querer reduzir as ações de Deus às proporções de nossa mentalidade e até mesmo
de nossos desejos, sentimentos e emoções. Ora, os princípios pelos quais Deus
se move sempre são infinitamente superiores aos atinentes às meras criaturas,
por isso nada melhor do que nos abandonarmos aos desígnios e ao beneplácito de
sua vontade, nunc et semper.
Segundo nossos critérios, talvez fosse
preferível que Jesus expusesse seu plano com total clareza aos Apóstolos para
assim retornarem à Judéia com maior confiança, paz e decisão. Pelo contrário,
Jesus lhes responde com uma parábola: durante as doze horas do dia, pode-se
caminhar sem tropeço, diz Nosso Senhor, bem ao contrário das outras doze da
noite. Tratava-se de uma afirmação óbvia, mas trazendo em suas entrelinhas
algum significado mais profundo, ou seja, não havia chegado ainda o momento de
sua Paixão, portanto não era de se temer nenhum mal. Assim, de forma didática e
suave, ia instruindo os Apóstolos sobre os passos a serem dados, exercitando-
os na plena confiança que deveriam devotar a seu Divino Mestre.
11 Depois acrescentou: “O nosso amigo Lázaro dorme.
Mas Eu vou acordá-lo”. 12 Os discípulos disseram: “Senhor, se ele dorme vai ficar bom.” 13 Jesus falava da morte de Lázaro, mas os discípulos pensaram que
falasse do sono mesmo. 14 Então disse Jesus abertamente: “Lázaro está morto.
15 Mas por causa de vós, alegro-Me por não ter estado
lá, para que creiais. Mas vamos para junto dele.” 16 Então Tomé, cujo nome significa Gêmeo, disse aos companheiros: “Vamos
nós também para morrermos com Ele.”
Porém, ao acrescentar: "Nosso
amigo, Lázaro, dorme; mas vou despertá-lo" (v. 11), deu aos Apóstolos nova
esperança de não ser necessário retornar à Judéia pois, segundo a forte
experiência da época, a retomada do sono ao longo de uma enfermidade grave era
indício de boa convalescença, e por isso exclamam: "Senhor, se ele dorme,
vai ficar bom".
Diante dessa situação era indispensável
falar-lhes às claras, revelando-lhes a morte de Lázaro. Só este particular já
seria suficiente para melhor crerem nas propostas de Jesus, pois até aquele
instante, ninguém ali sabia do falecimento de Lázaro, que Ele lhes comunica com
toda segurança. E ademais, aproveita para estimular a confiança dos Apóstolos,
manifestando sua alegria pelo fato de eles não terem estado em Betânia durante
a enfermidade de Lázaro, pois, nesse caso, Jesus se veria na contingência de
curá-lo antes de sua morte, diminuindo, assim, a grandeza do milagre da
ressurreição que iria operar.
Vê-se pela narração o quanto os
próprios Apóstolos estavam sendo formados na fé, passo a passo, através dos
milagres, conforme Ele mesmo afirma: "para que acrediteis" (v. 15).
Jesus iria selar o término de sua vida pública - os últimos momentos das doze
horas do dia - com o mais portentoso milagre. Ele a iniciara com a
transformação da água no melhor dos vinhos, em Caná, e agora, antes do anoitecer,
traria à vida um morto já em franca decomposição. Nessa ocasião, o mais débil -
São Tomé - solta o gemido que estava no fundo da alma de todos: "Vamos nós
também, para morrer com Ele" (v. 16). O Espírito Santo ainda não os
confirmara na vocação e o instinto de conservação disputava com as virtudes no
interior de cada um.
Encontro com Marta e Maria
17 Quando Jesus chegou, encontrou Lázaro sepultado
havia quatro dias. 18 Betânia ficava a uns três quilômetros de
Jerusalém. 19 Muitos judeus tinham vindo à casa de Marta e Maria
para as consolar por causa do irmão. 20 Quando Marta soube que Jesus tinha chegado, foi ao encontro dele.
Maria ficou sentada em casa. 21 Então Marta disse a Jesus: “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão
não teria morrido. 22 Mas mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus,
ele te concederá”.
Betânia, segundo a própria narração (v.
18), ficava a menos de 3 km de distância de Jerusalém. Essa propriedade
pertencente à família de Lázaro havia sido utilizada por Jesus com freqüência,
quase todas as vezes que devia ir a Jerusalém, não só por sua proximidade, mas
até mesmo pelo conforto. Essa é também a razão de ali se encontrarem muitos
judeus (v. 19). O luto era observado ao longo de sete dias, sendo os três primeiros
reservados para o pranto e os quatro outros para receber as visitas de pêsames.
O costume rabínico era estrito e rigoroso, comportando até mesmo o jejum (I Sam
31, 13), em meio às lágrimas (Gen 50, 10). Em essência, ao retornar do enterro
- que, aliás, devia ser no próprio dia do falecimento - o ritual ordenava
cobrir a cabeça e sentar-se ao chão com os pés descalços. As visitas não
pronunciavam nenhuma palavra, pois essa iniciativa cabia somente aos parentes
dos falecidos. O convívio, nessas circunstâncias, era silencioso.
Assim permaneceu Maria, por não ter
ideia da chegada de Jesus à aldeia, enquanto Marta foi ao seu encontro (v. 20)
a fim de Lhe noticiar todo o ocorrido. Uma vez mais os fatos nos revelam as
características próprias a cada uma das duas irmãs. Marta é mais dada à
administração, às relações sociais, etc., e Maria mais ao fervor amoroso. Por
isso Marta não avisa sua irmã, pois seria impossível retê-la junto às visitas
enquanto se desenrolasse seu diálogo com o Mestre. Aliás, esse diálogo não
poderia ter transcorrido com maior ternura e delicadeza. Não há a menor sombra
de queixa da parte de Marta ao afirmar: "Senhor, se estivesses cá, meu
irmão não teria morrido" (v. 21), pelo contrário, trata-se da manifestação
de um pesaroso sentimento feito de confiança no poder de Jesus.
Maria, por sua vez, repetirá exatamente
essa mesma frase (v. 32), permitindo- nos perceber o teor das conversas havidas
entre ambas naqueles últimos dias.
Entretanto, a fé de uma e outra ainda
não havia atingido sua plenitude, pois não podiam imaginar o grande milagre que
iria ser operado por Jesus. Marta não tem noção do poder absoluto de Jesus, e
daí o condicionar as ações do Divino Mestre aos pedidos que Ele faça a Deus (v.
22): "Tudo o que pedires a Deus, Deus to concederá".
23 Respondeu-lhe Jesus: “Teu irmão ressuscitará”. 24 Disse Marta: “Eu sei que ele ressuscitará na ressurreição, no último
dia”. 25 Então Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a
vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá. 26 E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” 27 Respondeu ela: “Sim, Senhor, eu creio firmemente que tu és o Messias,
o Filho de Deus, que devia vir ao mundo”.
Marta externa sua firme crença na
ressurreição final e nessa ocasião espera rever seu irmão em corpo e alma (v.
24), sem jamais imaginar a possibilidade de reencontrá-lo naquele mesmo dia.
Jesus, o Divino Didata, vê chegado o momento de proferir uma das mais belas
afirmações do Evangelho. Em outros trechos Ele terá revelado: "Eu sou o
caminho, a verdade e a vida" (Jo 14, 6); "Eu sou a luz do mundo"
(Jo 8, 12); "Eu sou o pão da vida" (Jo 6, 35), mas nenhuma atinge a
altura teológica desta, em questão: "Eu sou a Ressurreição e a Vida; aquele
que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; 26 e todo aquele que vive e crê
em Mim, não morrerá eternamente" (vv. 25-26). E com uma paternalidade
comovedora pergunta a Marta: "Crês nisto?", para movê-la a um ato
explícito de fé e fazê-la crescer em méritos.
Jesus ficou profundamente comovido, e perguntou: "Onde o colocastes?" Túmulo de Lázaro - Betânia, Jerusalém |
O diálogo dera seus melhores frutos,
era necessário consolar a outra irmã. Marta a avisa "em segredo" (v.
28) que o Mestre chegara. Conforme seu temperamento arrojado, saiu a toda
pressa para encontrá-Lo. Seu gesto levou todos os visitantes a imitá-la;
imaginando que ela iria chorar junto ao túmulo, seguiram-na (vv. 29-31).
Especialmente digna de nota é a cena de
seu encontro com Jesus. Marta era mais controlada em suas emoções, determinada
em seus objetivos e, portanto, capaz de expor em palavras todos os seus
sentimentos. Maria, bem diferente de sua irmã, tem arroubos de fervor sensível
pelo Mestre, seu amor não conhece fronteiras e nem permite ser freado em suas
manifestações, sua alma realmente seráfica a leva a lançar-se aos pés de Jesus,
e o máximo que consegue exprimir é sua dor, em breves termos. De resto era
chorar, soluçar, e com tal substância que todos se viram tocados por sua
reação, acompanhando- a no pranto (vv. 32-33).
Maria era tão carismática em sua fé, no
ardor de seus desejos e na comunicação de sua benquerença por Jesus, que Ele
próprio "comoveu-Se profundamente e perturbou-Se" (v. 33). Bem dizia
Lacordaire: "L´intelligence ne fait que parler; c´est l´amour qui
chante!" Nossas palavras podem convencer, mas nosso amor poderá até mesmo
tocar o Sagrado Coração de Jesus. Quão humano, sem deixar de ser divino, Ele se
mostra nessa ocasião, sobretudo ao derramar, também Ele, suas preciosíssimas
lágrimas, santificando, assim, as lágrimas roladas de todos os corações
sofredores por amor a Deus, ou arrependidos de suas faltas.
Era essa a maior prova de amor
externada pelo Salvador, até aquele instante, em relação ao seu amigo Lázaro.
Sempre "pedra de escândalo",
os campos se dividem em vista de suas lágrimas. Alguns são tomados de
admiração, outros O recriminam por ter deixado morrer Lázaro. Hipocrisia pura,
segundo autores clássicos, pois se põem a julgar Jesus antes mesmo de qualquer
ação sua. Esse é o efeito de uma antipatia preconcebida, radicada, talvez, no
vício da inveja.
Ressurreição de Lázaro
38 De novo, Jesus ficou interiormente comovido. Chegou
ao túmulo. Era uma caverna, fechada com uma pedra. 39 Disse Jesus: “Tirai a pedra!” Marta, a irmã do morto, interveio:
“Senhor, já cheira mal. Está morto há quatro dias”. 40 Jesus lhe respondeu: “Não te disse que, se creres, verás a glória de
Deus?” 41 Tiraram então a pedra. Jesus levantou os olhos para
o alto e disse: “Pai, eu te dou graças porque me ouviste. 42 Eu sei que sempre me escutas. Mas digo isto por causa do povo que me
rodeia, para que creia que tu me enviaste”. 43 Tendo dito isso, exclamou com voz forte: “Lázaro, vem para fora!” 44 O morto saiu, atado de mãos e pés com os lençóis mortuários e o rosto
coberto com um pano. Então Jesus lhes disse: “Desatai-o e deixai-o caminhar!” 45 Então, muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que
Jesus fizera, creram nele (Jo 11, 1-45).
Diferentemente de outros túmulos, este
de Lázaro era escavado em rocha não no sentido horizontal, mas sim, no chão e
verticalmente. Para se chegar ao local onde haviam depositado o corpo de
Lázaro, precisava-se descer um bom número de degraus. Ao redor do sepulcro,
estavam todos em forte expectativa, pois os antecedentes prognosticavam um
portentoso acontecimento.
Com magna autoridade, Jesus ordena,
para espanto dos circunstantes: "Tirai a pedra" . Marta, sempre
criteriosa, não resiste em ponderar que o cadáver já estaria em decomposição
depois de quatro dias. "Senhor, ele já cheira mal..." (v. 39).
Magistral a resposta de Jesus: "Não te disse que, se creres, verás a
glória de Deus?" (v. 40).
"Lázaro, vem para fora!" (Jo 11,43) A ressurreição de Lázaro - Capela do cemitério de Excideuil (França) |
Por um simples desejo seu, a lápide
teria voltado ao nada e Lázaro surgiria à porta do sepulcro, rejuvenescido,
limpíssimo e perfumado. Era, porém, conveniente constar aos olhos de todos a
potência de suas ordens: "bradou em voz forte: "Lázaro, sai para
fora!"
Dois portentosos milagres se operam,
não só o da pura ressurreição. Lázaro estava atado da cabeça aos pés, impedido
de caminhar; entretanto, subiu pela escada que dava acesso à entrada do túmulo,
estando até mesmo com um sudário ao rosto. Imaginemos a impressionante cena de
um defunto subindo degrau por degrau, sem liberdade de movimentos e sem
enxergar, mas já respirando com visíveis sinais de vida.
“Desatai-o e deixai-o caminhar” é a
última voz de comando do Divino Taumaturgo.
Nada mais relata o Evangelista; nenhuma palavra a respeito de Lázaro ou
das manifestações de alegria de suas irmãs; somente a conversão de "muitos dos judeus que tinham ido
visitar Maria e Marta" (v. 45).
Escapa à Liturgia de hoje a traição de
alguns que, certamente indignados, "foram ter com os fariseus" (v.
46) levando o Sinédrio a decretar sua morte (v. 53), matéria esta considerada
com quanta profundidade ao longo da Semana Santa.
III - CONCLUSÃO: UM
CONVITE À CONFIANÇA
Nossa Senhora, estando ao lado das irmãs, recomendaria a ambas que procurassem fazer "o que Ele vos disser" (Jo 2,5) Nossa Senhora Auxiliadora - Santuário do Sagrado Coração de Jesus, São Paulo |
Se a Santíssima Virgem estivesse ao lado das irmãs, certamente - além de lhes aconselhar a aguardarem com paz de alma a chegada de seu Divino Filho - recomendaria a ambas que procurassem fazer "tudo o que Ele vos disser" (Jo 2, 5). Por maior que sejam os dramas ou aflições em nossa existência, sigamos o exemplo e a orientação de Maria, crendo na onipotência de Jesus, compenetrados das palavras de São Paulo: “todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são os eleitos, segundo os seus desígnios” (Rm 8, 28).
1 ) Suma Teológica III, q 43 a 1.
2 ) Suma Teológica, III q 43, a 4.
3 ) Cf. Lc 7, 37-50
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