14 de jan. de 2018

Educando os filhos com Dona Lucilia



Dona Lucília preparou a alma do pequeno
Plinio para compreender a sublimidade
da devoção a Maria Santíssima.
O fundamental papel
de uma autêntica mãe católica

Ser a quintessência da família, do afeto, da diligência, da bondade, da misericórdia, numa palavra, da incansável solicitude: tal é, no lar, o fundamental papel de uma autêntica mãe católica.

Com efeito, para ser inteiramente fiel a seus deveres maternos, importa que a mãe se mostre exímia na educação de seus filhos, nos cuidados com o bem-estar deles e no atendimento às diversas necessidades domésticas. Nisto se assemelha ela à mulher forte exaltada nas Sagradas Escrituras. Mais ainda. Identifica-se com o celeste arquétipo de todas as mães, Maria Santíssima.

Se Maria é sublime modelo de mãe de família, não será verdade que a boa mãe deve ser para seus filhos uma representação viva da Mãe de Jesus?

Contando-nos suas mais remotas recordações de infância, revela-nos Dr. Plinio nas linhas seguintes como Dona Lucília, requintando-se em seus maternais desvelos, preparou suavemente a alma dele para compreender a excelsitude da devoção a Nossa Senhora. Sobretudo, para amá-La com todas as fibras de seu coração.

A mais antiga recordação que guardo de mamãe data do tempo em que eu tinha uns três anos. Lembro-me de vê-la dormindo ao lado de papai, e eu, no meio da noite, tentando passar para a cama deles, junto à qual estava colocado meu berço de criança. 

Nesse período de minha infância era eu muito sujeito a insônias, acordando com frequência durante a noite. E como acontece com toda criança nessas circunstâncias, sentia-me perdido na escuridão, no negrume, na incógnita das horas que não passam, da noite que não acaba, meio ameaçadora e misteriosa. A isso se acrescentava o vago mal-estar que sempre acompanha uma insônia. Aflito, eu me punha de pé e me apoiava na balaustrada do berço, que era o terraço do qual eu considerava o mundo. A penumbra continuava a me envolver, e os minutos se escoavam lentamente . . .

Havia, porém, outro fator que me tornava ainda mais penosos aqueles momentos de insônia. Segundo o costume daquele tempo, as portas da casa de minha avó materna, onde então morávamos, tinham na parte superior uma bandeira de vidro. O que me permitia ver o lustre do corredor contíguo, cuja lâmpada elétrica permanecia acesa a noite inteira.

Durante certo período de sua infância,
Plinio era sujeito a insônias, e como
acontece com toda criança sentia-se
perdido na escuridão.
Quando meu olhar vagueava pela penumbra e encontrava aquela luz imóvel, distante, ela me parecia um símbolo da perenidade da noite. Se pelo menos a luz se movesse como a de uma vela, haveria um símile de vida em torno de mim. Não. . . O único sinal de vida ao meu redor eram meus pais dormindo serenamente, com respirações ritmadas e profundas. Eu olhava para os dois e pensava: “Como eles respiram!”

Por serem ainda muito moços, o sono deles corria caudaloso, abundante, e eu percebia que, despertando-os, iria interromper uma coisa deleitável, pois eles estavam dormindo com muito bem-estar. Donde o meu receio: “Se eu os acordar, dará encrenca. Da outra vez não deu, mas desta dá, e vai piorar a situação. Eles voltarão a dormir, e eu ficarei aqui, sozinho, com um pito em cima da cabeça. Quando é que vem esta manhã, que nunca mais chega?"

Eram ideias que, distintamente, acudiam-me ao espírito. Eu fixava perplexo, perdido . . .

Entretanto, sempre pronta a me socorrer em minhas dificuldades, Dona Lucília costumava deixar abaixada a grade de meu berço, do lado que encostava na cama dela, dando-me a entender assim que eu podia fazer o que quisesse, porque mãe é mãe.

Afinal, depois de tantos temores e angústias, transpunha eu o passo para o qual me solicitava aquela grade previamente abaixada, e tocava em mamãe. Dona Lucilia continuava dormindo. Meu pensamento: “Ela não acorda, mas estou precisando dela mais do que nunca . . .”
Em certo momento, numa manifestação primeva de minha futura truculência, eu decidia: “Bom, vou acordá-la de qualquer jeito!”

Recordo-me que eu, de pé, mal conseguia chegar com meus braços ao nível do colchão dela, mas agarra-me aos lençóis e subia. Sentava-me, literalmente, sobre o peito dela, e abria-lhe os olhos com os dedinhos. Contudo, até mamãe acordar, pairava uma interrogação: “O que vai acontecer quando ela despertar?”

"Eu me sentia inundado de bem-estar,
consolado, e encantado com ela."
Não será exagero dizer que eu já fazia então um tantinho de estratégia política: o avanço, o recuo, os conformes, o estudo da situação. Algo do que eu teria que exercer no futuro, comecei a praticar sentado sobre o peito de minha mãe, abrindo os olhos dela, jogando a cartada do máximo risco para sair de uma aflição extrema.

Finalmente mamãe abre os olhos. “Chegou a hora (pensava eu, receoso). Ou acorda diante de mim um sol de penas, de condescendência e de piedade, ou é um dragão resfolegando indignação: Que é isso?! Sua mãe tem tanta coisa para fazer e você a está amolando a esta hora?”

Eu sentia a minha fraqueza: “Tem mesmo tanta coisa para fazer. Eu sou uma coisa que ela tem para fazer. Eu, acordá-la? Mas, não aguento ficar sozinho . . .”
Porém, de todas as vezes, sem exceção, sentava-se ela imediatamente na cama, pegava o seu travesseiro, sentava-me em cima dele e me tranquilizava:
- Filhinho, o que há?

Em seguida, tomava-me pelo tronco, segurando embaixo dos braços. Brincava comigo, abraçava-me e me beijava. Mais do que o sentido do que ela dizia, impressionava-me profundamente a comunicação do seu afeto inefável. Eu me sentia inundado de bem-estar, consolado, e encantado com ela.

Sobre o calor do afeto materno de sua mãe,
Plinio concluía: "Como ela ninguém. Basta eu
ser bom, que ela será para comigo
um mar de bondade"
Mamãe não me largava enquanto não notasse em mim um sinal precursor do sono. Contava uma história, pegava um brinquedo, improvisava uma distração, contava outra história . . .

Por vezes, meu pai deixava escapar algum resmungo muito pacífico, voltava-se para o outro lado e continuava a dormir sossegadamente. Eu pensava: “Ele não é ela. E se ela fosse como ele, eu me desagregava. Porém, como não é, eu tenho em quem confiar”. De fato, o próprio tom de voz de mamãe me dava a certeza de poder chamá-la sempre, que ela não desmentiria minhas esperanças. Afinal, quando Dona Lucilia percebia que eu estava em condições de dormir, punha-me de volta no meu berço. Creio, porém que ela permanecia ainda algum tempo acordada, a fim de ver se o filho retomava o sono, pois nunca me aconteceu de acordar de novo e dar com ela dormindo.

Imergindo eu outra vez no reino dos sonhos, a noite terminava com um primeiro e mais antigo lance de minha biografia.

Essas pequenas e passageiras tragédias noturnas, nas quais entretanto experimentava eu a incansável solicitude de mamãe, levavam-me quase instintivamente a comparar Dona Lucilia com outras pessoas mais velhas da casa. E eu chegava à seguinte conclusão: “Como ela, ninguém. Basta eu ser bom, que ela será para comigo um mar de bondade. Mas, se eu não o for, ela será minha adversária irredutível”.

Todas essas manifestações de carinho de mamãe em relação a mim, todo esse contato com esse infatigável desvelo, preparava-me e me predispunha para algo de muitíssimo mais elevado, isto é, a devoção a Nossa Senhora.

A boa mãe nunca acha tedioso ou 
monótono estar com o filho. Tê-lo nos
braços constitui uma de
suas maiores 
alegrias.
Nossa Senhora da Confiança
Com efeito, quando rezo a Salve Regina e o Memorare, tenho a impressão de abrir os olhos de Maria, como eu fazia com mamãe. Não que eu me atrevesse a pôr meus dedos – no sentido literal da palavra – nas pálpebras celestiais da Mãe de Deus. Mas, seria como dirigir-se a Ela de modo a abrir para mim a sua insondável misericórdia, como os meus dedos abriam os olhos de mamãe. Isto se entende, considerando que a súplica do filho aflito sempre é ouvida, e pode ele apresentar seus problemas com confiança, pois nunca será mal recebido.

Dessa maneira, a alma da criança, em contato com a mãe digna desse nome, começa a compreender o que é a bondade que não se cansa, a graça, o favor, o amor que não se exaure, aquela forma de afeto materno que nunca acha tedioso ou monótono estar com o filho. Tê-lo nos braços, brincar com ele, ser importunada durante o dia com perguntinhas, etc., constitui a alegria da vida para a boa mãe.

E assim compreendemos também, e melhor, o papel de Nossa Senhora em relação aos homens. Pois alguém que, no limiar de sua existência, seja assistido por uma boa mãe, poderá levar uma vida difícil, mas a recordação da figura materna, evocando os aspectos paradisíacos e inocentes de sua infância, alimentará nele a esperança do Paraíso Celeste, onde nos espera a boa Mãe por excelência, a Mãe das mães, Maria Santíssima.

(Revista Dr. Plinio, No. 02 - Maio de 1998)






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