São José tinha dois pais? Como é possível?...
O que dizer? São Mateus
afirma que “Jacó gerou a José, esposo de Maria”; mas São Lucas, por seu lado,
que “José era filho de Heli” [1]. Logo, escreveu um o contrário do outro? Como
é possível um mesmo homem ter dois pais?
À primeira vista, alguém
com estudos teológicos não aprofundados no tema, pode questionar a genealogia
de São José, julgando não ter sido bem discriminada pelos Evangelistas. No
entanto, a realidade é bem outra, e, São Tomás de Aquino - entre muitos autores
- explica prodigiosamente bem a proposição correta, que, mais adiante será
comentada.
Antes de tudo, deve-se
considerar que as genealogias consignadas por São Lucas e São Mateus não
coincidem ao apontar a ascendência de Jesus. São Mateus indica a ascendência
davídica de Jesus seguindo a linha do Rei Salomão (cf. Mt 1, 6); pelo
contrário, São Lucas apresenta esta mesma linhagem davídica por outro filho de
Davi (cf. Lc 3, 31; I Cr 3, 5-6) que nunca chegou a ocupar o trono de Israel.
Para responder esta divergência,
no século III o erudito Júlio Africano [2] levantou a hipótese de que Jacó e
Heli eram meios-irmãos, por parte de mãe. Tendo Heli morrido sem deixar filhos,
em virtude da lei do levirato [3] a viúva foi desposada por Jacó, que assim
assegurava a descendência de seu irmão falecido. Em consequência, São José
seria filho de Jacó segundo o sangue e filho de Heli em sentido legal – sobre
este último pormenor, Santo Agostinho desenvolverá precisamente, e veremos mais
à frente na terceira hipótese por ele levantada.
Em todo caso, para
resolver até as mais profundas bases dessa problemática – suscitada por Juliano
o Apóstata –, voltemos nossos olhos para o pensamento tomista e suas soluções
diversas.
Segundo São Tomás de
Aquino, alguns autores opinam, como São Gregório Nazianzeno [4], que ambos os
Evangelistas enumeram o mesmo personagem, Jacó e Heli, mas com dois nomes
diferentes. Outros pensam diferente, pois São Mateus enumera Salomão um dos
filhos de Davi; ao passo que São Lucas enumera outro, que é Natan, os quais,
constam terem sido irmãos, segundo a Escritura [5].
Por isso, Eusébio de Emisa
– entre outros pensadores – acredita que São Mateus nos dá a verdadeira
genealogia de Cristo; ao passo que a de Lucas consigna a putativa, e, por isso
comenta em seu evangelho “Jesus tinha cerca de trinta anos de idade quando
começou seu ministério. Ele era, como se pensava, filho de José, filho de Heli”
(Lc 3, 23).
Outro ponto a ser
considerado é que muitos judeus esperavam que o Messias nasceria de David, não
pela linhagem real, mas, por outra linha de homens particulares. Baseado nisto,
pode-se cogitar que São Mateus numerou os pais carnais; ao passo que Lucas, os
espirituais, isto é, os varões justos, denominados “pais” pela honestidade da
sua vida.
Por fim, a respeito deste
tema, Santo Agostinho propõe três ideias [6]:
1- Ou um Evangelista
designa o pai que realmente gerou a José, ao passo que o outro designou-lhe o
avô materno ou um dos seus mais próximos parentes.
2- Ou um era o pai natural
de José e o outro o pai adotivo.
3- Ou, segundo o costume
dos judeus, quando um homem morria sem deixar filhos, um dos seus próximos
tomava-lhe a mulher, sendo o filho que ele engendrasse imputado ao morto.
Ainda na Suma Teológica,
São Tomás recorda que, como diz o Apóstolo, toda a Escritura é divinamente
inspirada. Ora, as coisas divinas se realizam de maneira ordenadíssima, segundo
ainda o Apóstolo: As causas de Deus são ordenadas. Por onde, a genealogia de
Cristo foi bem discriminada pelos Evangelistas [7].
Para concluir, lembremos
que a partir do século XVI alguns teólogos, como Alfonso de Espina,
apresentaram outra solução: São Mateus teria descrito a linhagem davídica de
São José; São Lucas, a da Virgem Maria, pois é Ela quem transmite a carne e o
sangue de Davi a Jesus. Assim, São José, desposado com Maria, seria genro de
Heli (Heliaquim ou Joaquim na Tradição da Igreja) e, a este título, seu filho
segundo a Lei [8].