10 de jan. de 2020

O misterioso pai de São José



São José tinha dois pais? Como é possível?...

O que dizer? São Mateus afirma que “Jacó gerou a José, esposo de Maria”; mas São Lucas, por seu lado, que “José era filho de Heli” [1]. Logo, escreveu um o contrário do outro? Como é possível um mesmo homem ter dois pais?

      À primeira vista, alguém com estudos teológicos não aprofundados no tema, pode questionar a genealogia de São José, julgando não ter sido bem discriminada pelos Evangelistas. No entanto, a realidade é bem outra, e, São Tomás de Aquino - entre muitos autores - explica prodigiosamente bem a proposição correta, que, mais adiante será comentada.

        Antes de tudo, deve-se considerar que as genealogias consignadas por São Lucas e São Mateus não coincidem ao apontar a ascendência de Jesus. São Mateus indica a ascendência davídica de Jesus seguindo a linha do Rei Salomão (cf. Mt 1, 6); pelo contrário, São Lucas apresenta esta mesma linhagem davídica por outro filho de Davi (cf. Lc 3, 31; I Cr 3, 5-6) que nunca chegou a ocupar o trono de Israel.



       Para responder esta divergência, no século III o erudito Júlio Africano [2] levantou a hipótese de que Jacó e Heli eram meios-irmãos, por parte de mãe. Tendo Heli morrido sem deixar filhos, em virtude da lei do levirato [3] a viúva foi desposada por Jacó, que assim assegurava a descendência de seu irmão falecido. Em consequência, São José seria filho de Jacó segundo o sangue e filho de Heli em sentido legal – sobre este último pormenor, Santo Agostinho desenvolverá precisamente, e veremos mais à frente na terceira hipótese por ele levantada.

Em todo caso, para resolver até as mais profundas bases dessa problemática – suscitada por Juliano o Apóstata –, voltemos nossos olhos para o pensamento tomista e suas soluções diversas.

Segundo São Tomás de Aquino, alguns autores opinam, como São Gregório Nazianzeno [4], que ambos os Evangelistas enumeram o mesmo personagem, Jacó e Heli, mas com dois nomes diferentes. Outros pensam diferente, pois São Mateus enumera Salomão um dos filhos de Davi; ao passo que São Lucas enumera outro, que é Natan, os quais, constam terem sido irmãos, segundo a Escritura [5].

Por isso, Eusébio de Emisa – entre outros pensadores – acredita que São Mateus nos dá a verdadeira genealogia de Cristo; ao passo que a de Lucas consigna a putativa, e, por isso comenta em seu evangelho “Jesus tinha cerca de trinta anos de idade quando começou seu ministério. Ele era, como se pensava, filho de José, filho de Heli” (Lc 3, 23).

Outro ponto a ser considerado é que muitos judeus esperavam que o Messias nasceria de David, não pela linhagem real, mas, por outra linha de homens particulares. Baseado nisto, pode-se cogitar que São Mateus numerou os pais carnais; ao passo que Lucas, os espirituais, isto é, os varões justos, denominados “pais” pela honestidade da sua vida.

Por fim, a respeito deste tema, Santo Agostinho propõe três ideias [6]:

1- Ou um Evangelista designa o pai que realmente gerou a José, ao passo que o outro designou-lhe o avô materno ou um dos seus mais próximos parentes.

2- Ou um era o pai natural de José e o outro o pai adotivo.

3- Ou, segundo o costume dos judeus, quando um homem morria sem deixar filhos, um dos seus próximos tomava-lhe a mulher, sendo o filho que ele engendrasse imputado ao morto.

Ainda na Suma Teológica, São Tomás recorda que, como diz o Apóstolo, toda a Escritura é divinamente inspirada. Ora, as coisas divinas se realizam de maneira ordenadíssima, segundo ainda o Apóstolo: As causas de Deus são ordenadas. Por onde, a genealogia de Cristo foi bem discriminada pelos Evangelistas [7].

Para concluir, lembremos que a partir do século XVI alguns teólogos, como Alfonso de Espina, apresentaram outra solução: São Mateus teria descrito a linhagem davídica de São José; São Lucas, a da Virgem Maria, pois é Ela quem transmite a carne e o sangue de Davi a Jesus. Assim, São José, desposado com Maria, seria genro de Heli (Heliaquim ou Joaquim na Tradição da Igreja) e, a este título, seu filho segundo a Lei [8].




[1] Cf. Mt 1, 16 e cf. Lc 3, 23 reciprocamente.
[2] Cf. EUSÉBIO DE CESAREIA. História Eclesiástica. L.I, c.7: PG 20, 89-100.
[3] Cf. Dt 25, 5-6; Mt 22, 23-28.
[4] TOMÁS, Catena Aurea, sup. Le. 3,24 § 8.
[5] Cf. Suma Teológica. III, q.31, a.3, ad 2.
[6] AGOSTINHO, De Quaest. Evang. L.2 q.5 sobre Le 3,23: ML 35, 324.
[7] Cf. Suma Teológica. III, q.31, a.3, solução.
[8] Cf. MICELI, Patrizia Innocenza. I modelli di Giosefologia nella storia della Teologia cristiana. Todi: Tau, 2015, p.8-13.




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