O “Lauda Sion”
A sequência da Missa de Corpus Christi
é constituída por um belíssimo hino
gregoriano,
intitulado Lauda Sion.
Belíssimo por sua variada e suave melodia,
e muito mais pela letra,
ele canta a excelsitude do dom de Deus
para conosco
e a presença real de Jesus,
em Corpo, Sangue, Alma e Divindade,
no pão e no vinho consagrado.
A própria origem desse cântico
é envolta no maravilhoso tipicamente
medieval.
Urbano
IV encontrava-se em Orvieto, quando decidiu estabelecer a comemoração de Corpus
Christi. Estavam coincidentemente naquela cidade dois dos mais renomados
teólogos de todos os tempos, São Boaventura e São Tomás de Aquino. O Papa os
convocou, assim como a outros teólogos, encomendando-lhes um hino para a
sequência da Missa dessa festa.
Conta-se
que, terminada tarefa, apresentaram-se todos diante do Papa e cada um devia ter
sua composição. O primeiro a fazê-lo foi São Tomás de Aquino, que apresentou
então os versos do Lauda Sion.
São
Boaventura, ato contínuo àquela leitura, queimou seu próprio pergaminho, não
sem causar espanto em São Tomás que perguntou “por que”? O santo franciscano,
com toda a humildade, explicou-lhe que sua consciência não o deixaria em paz se
ele causasse qualquer empecilho, por mínimo que fosse, à rápida difusão de tão magnífica
Sequência escrita pelo dominicano.
Síntese teológica, em forma de poesia
Aquilo
que São Tomás ensinou em seus tratados de Teologia a respeito da Sagrada
Eucaristia, ele o expôs magistralmente em forma de poesia no Lauda Sion.
Trata-se
de verdadeira pela de literatura, que brilha pela profundidade do conteúdo e
pela beleza da forma, elevação da doutrina, acurada precisão teológica e
intensidade do sentimento. O ritmo flui de modo suave, até mesmo nas estrofes
mais didáticas. A melodia – cujo autor é desconhecido – combina belamente com o
texto. A unção é inesgotável.
São
Tomás se revela como filósofo e místico, como teólogo da mente e do coração,
realizando sua própria exortação: “Seja o louvor pleno, retumbante, alegre e
cheio do brilhante júbilo da alma“. Repassemos alguns trechos desse célebre
cântico.
LAUDA SION
1.
Louva Sião, o Salvador, louva o guia e pastor com hinos e cânticos.
2.
Tanto quanto possas, ouses tu louvá-lo, porque está acima de todo o louvor e
nunca o louvarás condignamente.
3.
É-nos hoje proposto um tema especial de louvor: o pão vivo que dá a vida.
4.
É Ele que na mesa da sagrada ceia foi distribuído aos doze, como na verdade o
cremos.
5.
Seja o louvor pleno, retumbante, que ele seja alegre e cheio de brilhante júbilo
da alma.
6.
Porque celebramos o dia solene que nos recorda a instituição deste banquete.
7.
Na mesa do novo Rei, a páscoa da nova lei põe fim à páscoa antiga.
8.
O rito novo rejeita o velho, a realidade dissipa as sombras como o dia dissipa
a noite.
9.
O que o Senhor fez na Ceia, nos mandou fazê-lo em memória sua.
10.
E nós, instruídos por suas ordens sagradas, consagramos o pão e o vinho em
hóstia de salvação.
11.
É dogma de fé para os cristãos que o pão se converte na carne e o vinho no
sangue do Salvador.
12.
O que não compreende nem vês, uma Fé vigorosa te assegura, elevando-te acima da
ordem natural.
13.
Debaixo de espécies diferentes, aparências e não realidades, ocultam-se
realidades sublimes.
14.
A carne é alimento e o sangue é bebida; todavia debaixo de cada uma das
espécies Cristo está totalmente.
15.
E quem o recebe não o parte nem divide, mas recebe-o todo inteiro.
16.
Quer o recebam mil, quer um só, todos recebem o mesmo, nem recebendo-o podem
consumi-lo.
17.
Recebem-no os bons e os maus igualmente, todos recebem o mesmo, porém com
efeitos diversos: os bons para a vida e os maus para a morte.
18.
Morte para os maus e vida para os bons: vede como são diferentes os efeitos que
produz o mesmo alimento.
19.
Quando a hóstia é dividida não vaciles, mas recorda que o Senhor encontra-se
todo debaixo do fragmento, quanto na hóstia inteira.
20.
Nenhuma divisão pode violar as substâncias: apenas os sinais do pão, que vês
com os olhos da carne, foram divididos! Nem o estado, nem as dimensões do Corpo
de Cristo são alteradas.
21.
Eis o pão dos Anjos que se torna alimento dos peregrinos: verdadeiramente é o
pão dos filhos de Deus que não deve ser lançado aos cães.
22.
As figuras o simbolizam: é Isaac que se imola, o cordeiro que se destina à
Páscoa, o maná dado a nossos pais.
23.
Bom Pastor, pão verdadeiro, de nós tende piedade. Sustentai-nos, defendei-nos,
fazei-nos na terra dos vivos contemplar o Bem supremo.
24.
Ó Vós que tudo o sabeis e tudo o podeis, que nos alimentais nesta vida mortal,
admiti-nos no Céu, à vossa mesa e fazei-nos co-herdeiros na companhia dos que
habitam a cidade santa. Amém. Aleluia.
Louva Sião, o Salvador,
louva o Guia e Pastor com hinos e cânticos
As
palavras do subtítulo acima constituem o primeiro verso do Lauda Sion. É a expansão
do coração de um santo, tomado pela graça mística de encanto pelo Santíssimo
Sacramento, que pede a Sião, quer dizer, ao povo eleito do Novo Testamento, que
passe a louvar o Salvador. Ele, o maior teólogo da história da Igreja – “o mais
sábio dos santos, e o mais santo dos sábios” – era, tão fervoroso devoto de
Jesus Eucarístico que, nas horas em que sentia dificuldade nos seus estudos,
colocava a cabeça dentro de um sacrário à procura de ser iluminado pelo próprio
Deus, e não a retirava enquanto não encontrasse a solução.
Desse
primeiro verso até o final da quinta estrofe, São Tomás condensa todo o
infinito louvor ao Santíssimo Sacramento do Altar.
Ele
continua a conclamar os fiéis a 1.“louvar o guia e
pastor com hinos e cânticos”. Mas, como louvar adequadamente esse santo
sacramento? Como louvar de modo suficiente o próprio Deus? É o sacramento mais
elevado e substancioso de todos, pois nele está presente o próprio Homem-Deus,
em Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Não há palavras, não há gestos, não há nada
a ser oferecido que esteja à altura d’Ele.
"A santa Missa é o presente mais precioso e mais agradável que podemos oferecer à Santíssima Trindade; vale mais que o céu e a terra; vale o próprio Deus” (São João Batista Vianney) |
Por
isso São Tomás quase geme ao dizer: 2.“Tanto quanto
possas, ouses tu louvá-Lo, porque está acima de todo o louvor e nunca O
louvarás condignamente”.
E
explica ser essa a tarefa que recebeu do Papa:
3.“É-nos hoje proposto um tema especial de louvor, o pão vivo
que dá a vida”. 4.“É Ele que na mesa da sagrada ceia foi distribuído aos doze,
como na verdade o cremos. 5. Seja o louvor pleno, retumbante, que ele seja
alegre e cheio de brilhante júbilo da alma”.
O
santo se preocupa em incentivar em nossa alma um louvor, o mais perfeito de que
sejamos capazes, para assim nos aproximarmos do Santíssimo Sacramento e adorar
a Jesus, que ali se encontra por detrás do “véu” do pão e do vinho.
6. Porque celebramos o dia solene que nos recorda a instituição
deste banquete
A
partir deste verso, até a décima estrofe, São Tomás passa a apontar a
instituição da Eucaristia na festa litúrgica estabelecida pelo Papa.
7.“Na mesa do novo Rei, a páscoa da nova lei põe fim à páscoa
antiga”.
O
rito da Igreja Católica Apostólica Romana encerrara o da Antiga Lei, que era
uma prefigura dele. Por isso completa São Tomás: 8.
“O rito novo rejeita o velho, a realidade dissipa as sombras como o dia dissipa
a noite”.
9.“O que o Senhor fez na Ceia, nos mandou fazê-lo em memória
sua”.
Aqui
São Tomás recorda as palavras de Jesus na Ceia da Quinta-feira Santa: “Fazei
isto em memória de mim”.
10.“E nós, instruídos por suas ordens sagradas, consagramos o
pão e o vinho em hóstia de salvação”.
São
Tomás, sacerdote, podia dizer com toda a propriedade: “instruídos
por suas ordens sagradas”. É uma referência ao Sacramento da Ordem, que
da àquele que o recebe a grande glória de poder emprestar sua laringe e suas
mãos ao Divino Mestre. Para que, sobre o altar, se opere um dos maiores
milagres – e o mais freqüente deles – da História da humanidade: a
transubstanciação. Quer dizer, a substância vinho cedem lugar à substância
Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
11. É dogma de Fé para os cristãos que o pão se converte na
carne e o vinho no sangue do Salvador
A
partir deste ponto, em dez estrofes, o autor dá em detalhe, numa maravilhosa
síntese, a doutrina católica sobre o Sacramento do Altar. Ele continua:
12.“O que não compreendes nem vês, uma Fé vigorosa te assegura,
elevando-te acima da ordem natural”.
De
fato, pela nossa inteligência, jamais chegaríamos a penetrar neste mistério tão
sagrado. Nem sequer os demônios, que, embora decaídos, são de natureza
angélica, e portanto superior à nossa, conseguem discernir nas aparências do
pão e do vinho o Homem-Deus. Só mesmo a Fé nos faz penetrar neste mistério
sagrado.
13.“Debaixo de espécies diferentes, aparência e não realidades,
ocultam-se realidades sublimes”.
– São Tomás volta a insistir na ideia de que
os “véus” do vinho e do pão ocultam realidades divinas.
14. “A carne é alimento e o sangue é bebida; todavia debaixo de
cada uma das espécies Cristo está totalmente”.
Esta
é uma verdade de Fé, que a Teologia nos explica. Olhando para o vinho e para a
hóstia consagrados, poderíamos ser levados a imaginar que a carne está só na
eucaristia pão, e o sangue só na eucaristia vinho. Entretanto, a doutrina nos
diz e a nossa Fé assimila que o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Cristo
encontram-se plenamente tanto na hóstia como no vinho consagrados.
15. “E quem o recebe não o parte nem divide, mas recebe-o todo
inteiro.”
Outra
das impressões equivocadas que podem transpassar uma alma é esta: ao ver o
ministro dividindo uma hóstia, pensar que Nosso Senhor já não se encontra
inteiro em cada uma das partículas. Não é verdade; Por um mistério sagrado,
Nosso Senhor Jesus Cristo se encontra de modo integral em todas as frações que
sejam visíveis.
“A Sagrada Comunhão é a derradeira graça de amor, e nela Jesus Cristo se une espiritual e realmente ao fiel, a fim de nele produzir a perfeição de sua Vida e de sua Santidade (São Pedro Julião Eymard) |
16.“Quer o recebam mil, quer um só, todos recebem o mesmo, nem
recebendo-O podem consumi-Lo”
Outra
verdade de Fé: se um milhão de pessoas comungarem ao mesmo tempo, como já
aconteceu em algumas Missas presididas pelo Santo Padre em suas viagens pelo
mundo, todos estarão recebendo um só e o mesmo Jesus, sem qualquer
fracionamento de seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade. Todos O recebem no seu
todo. E eis mais um mistério: ao receber Nosso Senhor Jesus Cristo, não podemos
consumi-Lo, pois, quando se desfazem as espécies sagradas em nosso organismo,
Ele deixa o nosso corpo sem tocá-lo, santificando nossa alma e dando-nos vigor
até na saúde.
17.“Recebem-No os bons e os maus igualmente, todos recebem o
mesmo, porém com efeitos diversos: os bons para a vida e os maus para a morte. 18.
Morte para os maus e vida para os bons: vede como são diferentes os efeitos que
produz o mesmo alimento”
Quem
comunga em estado de graça, recebe um influxo de vida e de força espiritual e
até corporal. Entretanto, ai daqueles que se aproximam desse Sacramento em
estado de pecado mortal” O odor da morte se assenhoreia ainda mais da alma, e
do próprio organismo. Quanto cuidado devemos tomar para não nos aproximarmos da
Eucaristia sem estarmos inteiramente preparados. Procuremos antes o
confessionário, que se encontra à nossa disposição, e saibamos ajoelhar-nos com
humildade e pedir perdão de nossas faltas.
19.“Quando a hóstia é dividida, não vaciles, mas recorda que o
Senhor encontra-se todo debaixo do fragmento, quando no hóstia inteira. 20. Nenhuma
divisão pode violar a substância: apenas os sinais do pão, que vês com os olhos
da carne, foram divididos! Nem o estado, nem as dimensões do Corpo de Cristo
são alterados”.
São
Tomás retorna aqui o que já ensinara mais acima, para solidificar nas almas a
doutrina católica a respeito da Eucaristia.
21.“Eis o pão dos Anjos que se torna alimento dos peregrinos”
O
santo recorda nestas frases que o Sacramento do Altar é a realização de antigos
signos:
“Verdadeiramente é o pão dos filhos de Deus que não deve ser
lançado aos cães. 22.As figuras o simbolizam, é Isaac que se imola, o cordeiro
que se destina à Páscoa, o maná dado a nossos pais”.
As
últimas estrofes louvam o Bom Pastor que nos alimenta e guarda e nos faz
futuramente participantes do Banquete Celestial. Nesse trecho final, letra e
melodia se unem numa suprema beleza, de irresistível doçura:
23.“Bom Pastor, pão verdadeiro, Jesus,, de nós tende piedade.
Sustentai-nos, defendei-nos, fazei-nos na terra dos vivos contemplar o Bem
supremo. 24.“Ó Vós que tudo sabeis e tudo podeis, que nos alimentais nesta vida
mortal, admiti-nos no Céu, à vossa mesa e fazei-nos coerdeiros na companhia dos
que habitam a cidade santa. Amém. Aleluia”.
(Revista
Arautos do Evangelho, Junho/2002, n. 06, p. 6 à 10 e Junho/2009, n. 90, p. 24 à
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