Pentecostes Museu São Pio V, Valência (Espanha) |
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Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos
judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e,
pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”. 20 Depois dessas palavras, mostrou-lhes
as mãos e o lado. Então os discípulos se alegraram por verem o Senhor. 21 Novamente, Jesus disse: “A paz esteja
convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu vos envio”. 22 E depois de ter dito isso, soprou
sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo. 23 A
quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes
eles lhes serão retidos” (Jo 20, 19-23).
Mons. João Clá Das, EP |
SOLENIDADE DE PENTECOSTES
(MISSA DO DIA – EVANGELHO)
A paz esteja convosco!
Formamos um só corpo, e todos nós bebemos
de um só Espírito (cf I Cor 12, 13). Quem é o Espírito Santo, como foram as
circunstâncias e quais as principais graças concedidas a Maria e aos discípulos
por ocasião de Pentecostes? Eis os ensinamentos que a Liturgia nos coloca à
disposição na Solenidade de hoje, fazendo-nos compreender onde se encontra a
verdadeira paz.
I - A IGREJA POR OCASIÃO DE PENTECOSTES
Oração numa atmosfera de harmonia e concórdia
Como outras tantas festas
litúrgicas, Pentecostes nos faz recordar um dos grandes mistérios da fundação
da Igreja por Jesus. Encontrava-se ela em estado ainda quase embrionário -
alegoricamente, poder-se-ia compará-la a uma menina de tenra idade - reunida em
torno da Mãe de Cristo. Ali no Cenáculo, conforme nos descrevem os Atos dos
Apóstolos na primeira leitura, passaram-se fenômenos místicos de excelsa
magnitude, acompanhados de manifestações sensíveis de ordem natural: ruído como
de um vento impetuoso, línguas de fogo, os discípulos exprimindo-se em línguas
diversas sem tê-las antes aprendido. A alta significação simbólica do conjunto
desses acontecimentos, como de cada um em particular, constituiu matéria para
inúmeros e substanciosos comentários de exegetas e teólogos de grande valor,
como se torna claro por anteriores observações feitas por nós em artigo
publicado em 2002 (1). Hoje, cabe-nos ressaltar outros aspectos de não menor
importância correlacionados com a narração feita por São Lucas (At 2, 1-11),
para assim melhor entender o Evangelho em questão e, portanto, a própria
festividade de Pentecostes.
Enquanto figura
exponencial, destaca-se Maria Santíssima, predestinada desde toda a eternidade
a ser Mãe de Deus. Dir-se-ia que havia atingido a plenitude máxima de todas as
graças e dons, entretanto, em Pentecostes, mais e mais Lhe seria concedido.
Assim como fora eleita para o insuperável dom da maternidade divina, cabia-Lhe
o tornar-se Mãe do Corpo Místico de Cristo e, tal qual se deu na Encarnação do Verbo,
desceu sobre Ela o Espírito Santo, por meio de uma nova e riquíssima efusão de
graças, a fim de adorná-La com virtudes e dons próprios e proclamá-La "Mãe
da Igreja".
Em seguida estão os
Apóstolos; constituem eles a primeira escola de arautos do Evangelho.
Observavam as condições essenciais para estarem aptos à alta missão que lhes
destinara o Divino Mestre, conforme nos relata a Escritura: "Todos estes
perseveraram unanimemente em oração, com algumas mulheres e com Maria, Mãe de
Jesus, e com os seus irmãos" (At 1, 14).
Essa perseverança na
oração se realizou de forma continuada e no silêncio, na solidão e clausura do
Cenáculo. A atmosfera era de máxima concórdia, harmonia e união entre todos, de
verdadeira caridade fraterna. São Lucas em seu relato faz questão de realçar a
presença de Maria, certamente para tornar patente o quanto Ela mesma se
alegrava em ser uma fiel participante da Comunidade. Uma nota marcante é a
submissão e obediência ao Vigário de Cristo tal qual transparece nos versículos
subsequentes, ao relatarem o primeiro ato de governo e jurisdição de São Pedro
(At 1, 15-22).
Em síntese, a verdadeira
eficácia do apostolado está aí evidenciada, sob o manto da Santíssima Virgem,
na união efetiva e afetiva de todos com a Pedra sobre a qual Cristo edificou
sua Igreja.
A eficácia da ação encontra-se na contemplação
Esse grande acontecimento
foi precedido não só dos dez dias de oração contínua, mas também de muitos
outros momentos de recolhimento. O trauma havido por ocasião da dramática
Paixão do Salvador exigia horas e horas de isolamento e reflexão. Ademais, o
temor de novas perseguições e traições impunha-lhes prudência, além do abandono
das atividades comuns do apostolado anterior.
Curiosamente, em geral,
Cristo Ressurrecto escolhia oportunidades como essas - de reflexão e
compenetração da parte de todos - para lhes aparecer, assim como o Espírito
Santo para lhes infundir seus dons. Esta é uma importante lição que a Liturgia
de hoje nos oferece: a verdadeira eficácia da ação encontra-se na contemplação.
O próprio Apóstolo por excelência, que chegou a exclamar: Vae enim mihi est, si non evangelizavero! - "Ai de mim se eu
não evangelizar!" (I Cor 9, 16), passou um longo período de oração no
deserto a fim de preparar-se para a pregação.
São Bernardo de Claraval nos ensina que sem o auxílio da vida interior, as mais elevadas ocupações são malditas Museu de Cluny (França) |
Quem toma o trabalho de
analisar passo a passo as atividades de um varão zeloso e apostólico pode vir a
equivocar- se julgando serem elas puro fruto de sua personalidade
empreendedora, ou de seu caráter dinâmico, ou até mesmo de sua constituição
psicofísica. São numerosos os homens operantes e profícuos que arrancam de seu
ser o inimaginável. Onde se encontram, de fato, as energias empregadas por
esses leões da fé e da eficiência? Mais ainda poderíamos nos perguntar: como
conseguem eles, em meio à avalanche de atividades, conservar um coração brando
e suave no trato com os outros?
Lembremo-nos do conselho
dado por São Bernardo de Claraval ao papa da época, Eugênio III: "Temo que
em meio de tuas inumeráveis ocupações te desesperes de não poder levá-las a
cabo e se endureça tua alma. Obrarias com cordura abandonando-as por algum
tempo para que elas não te dominem nem te arrastem para onde não quiseras
chegar. Talvez me perguntes: ‘Aonde?' (...) Ao endurecimento do coração. Aí vês
para onde te podem arrastar essas ocupações malditas se continuas entregando-
te a elas totalmente, como até agora, sem reservar nada para ti" (2).
Trata-se de um Doutor da
Igreja aconselhando o Doce Cristo na terra daqueles tempos, no exercício da
mais alta função: o governo dessa instituição divina. Pois bem, segundo seu
parecer, tão elevadas ocupações, sem o auxílio da vida interior, são malditas.
Essa sempre foi a postura de alma dos santos, espiritualistas e Padres da
Igreja. Santo Agostinho afirma, por exemplo: "Todo apóstolo, antes de soltar
a língua, deve elevar a Deus com avidez sua alma, para exalar o que deva, e
distribuir sua plenitude" (3).
Feitas essas considerações
emergentes da primeira leitura (At 2, 1-11) encontramo-nos mais aptos para
contemplar as belezas do Evangelho da presente Liturgia.
II - O EVANGELHO
DA SOLENIDADE DE PENTECOSTES
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Ao anoitecer daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas, por medo dos
judeus, as portas do lugar onde os discípulos se encontravam, Jesus entrou e,
pondo-Se no meio deles, disse: “A paz esteja convosco”.
A prova pela qual haviam
passado os Apóstolos excedia as forças da frágil natureza humana e, apesar do
testemunho entusiasmado de Maria Madalena, não lhes era fácil crer na
Ressurreição; talvez seu abatimento fosse o resultado de não se julgarem dignos
de receber uma aparição do Senhor, segundo pondera São João Crisóstomo, devido
ao horroroso abandono no qual deixaram o Mestre em sua agonia.
Na sua bondade infinita,
Jesus não deixou transcorrer muito tempo para se manifestar também a eles.
Escolheu uma excelente oportunidade para tal: no entardecer e estando as portas
fechadas, para tornar ainda mais patente a grandeza do milagre de sua
Ressurreição.
A chegada da noite é o
momento em que a apreensão cresce no interior de todos os temerosos. Por outro
lado, penetrar num recinto com portas e janelas fechadas, só mesmo em corpo
glorioso poderia alguém realizar tamanho prodígio.
Qual seria o lugar onde
estavam reunidos, não se sabe com exatidão. A hipótese mais provável recai
sobre o Cenáculo.
Outro particular
interessante é a posição escolhida por Cristo para lhes dirigir a palavra. Ele
poderia ter preferido saudá-los logo à entrada, entretanto caminhou entre eles
e foi colocar- Se bem ao centro. Esse deve ser sempre o posto de Jesus em todas
as nossas atividades, preocupações e necessidades. O deixá-Lo de lado, além de
ser falta de respeito e consideração, é condenar ao fracasso qualquer
iniciativa, por melhor que seja. Sua saudação também nos chama especialmente a
atenção: "A paz esteja convosco".
À primeira vista seríamos
levados a julgar compreensível que Ele desejasse acalmá-los das perturbações
que os acometiam desde a prisão no Horto das Oliveiras. E de fato, esse bem
poderia ser um de seus intentos, mas o significado mais profundo não reside
nessa interpretação. Para melhor o entendermos, perguntemo-nos o que é paz.
"Paz é a
tranquilidade da ordem", diz Santo Agostinho (4), ou seja, uma ordem
permanentemente tranquila. E São Tomás demonstra ser a paz efeito próprio e
específico da caridade, pois todo aquele que está em união com Deus vive na
perfeita ordem, ao harmonizar todas as suas potências, sentidos e faculdades à
sua causa eficiente e final (5). Essa união faz brotar na alma que a possui um
profundo repouso interior e nem sequer os inimigos externos a perturbam, porque
nada lhe interessa a não ser Deus: "Se Deus está conosco, quem será contra
nós?" (Rom. 8, 31).
Jesus colocou-Se no meio dos Apóstolos e disse-lhes: "A paz esteja convosco!" (Jo 20,19) Nosso Senhor aparece aos Apóstolos por Duccio de Buoninsegna Museu dell'Opera delDuomo, Siena (Itália) |
Ora, sabemos pela Teologia que o Espírito Santo é a
Terceira Pessoa da Santíssima Trindade e procede do Pai e do Filho por via do
Amor. N'Ele está a raiz, ou semente, da qual nasce o fruto da caridade. Ao
amarmos a Deus e ao próximo, a alegria e o consolo penetram em nosso interior.
Desse amor e gozo, procede a paz (6). Jesus, desejando-lhes a paz, oferecia-
lhes um dos principais frutos desse Amor infinito que é o Espírito Santo.
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Depois dessas palavras, mostrou-lhes as mãos e o lado. Então os discípulos se
alegraram por verem o Senhor.
Por esta atitude do Senhor
podemos bem avaliar o quanto o pavor havia penetrado na alma de todos, apesar
de ouvirem a voz do Divino Mestre desejando-lhes a paz.
Por isso tornou-se
indispensável mostrar-lhes aquelas mãos que tanto haviam curado cegos, surdos,
leprosos e inúmeras outras enfermidades, mãos que talvez eles mesmos tivessem,
a seu tempo, osculado. Sim aquelas mãos que, havia pouco, tinham sido transpassadas
por terríveis cravos. Era preciso comprovarem tratar- se do Redentor, vendo seu
lado perfurado pela lança de Longinus.
Naquele momento sentiram a
alegria pervadir suas almas, pois constataram não estar diante deles um
fantasma, mas sim o próprio Jesus em Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
Cumpria-se assim sua promessa: "Hei de ver-vos de novo, e o vosso coração
se alegrará, e ninguém vos tirará a vossa alegria" (Jo 16, 22).
Transparece nessa atitude
seu profundo intuito apologético, ao fazê-los ver suas santas chagas, ao
contrário de como procedera com Santa Maria Madalena, ou até mesmo com os
discípulos de Emaús.
Outra nota de bondade
consiste no fato de Ele ter velado o esplendor de seu Corpo glorioso, caso
contrário a natureza humana dos Apóstolos não teria suportado o fulgor da
majestade do Homem-Deus ressurrecto.
21
Novamente, Jesus disse: “A paz esteja convosco. Como o Pai Me enviou, também Eu
vos envio”.
Novamente Jesus lhes
deseja a paz, e deixa assim entrever quão importante é a tranquilidade da
ordem. Como objetivo imediato, visava Jesus proporcionar- lhes a indispensável
serenidade de espírito face às desavenças e mortais perseguições que lhes
moveriam os judeus. Por outro lado, Jesus se dirige aos séculos futuros e,
portanto, à própria era na qual vivemos. Também a nós Ele nos repete o mesmo
desejo de paz formulado aos Apóstolos naquele momento. Sim, especialmente à
nossa civilização que tem suas raízes em Cristo - Rei, Profeta e Sacerdote -
cuja entrada neste mundo fez-se sob o belo cântico dos Anjos: "Paz na
terra" (Lc 2, 14). Não foi outro o dom por Ele oferecido antes de morrer
na Cruz, ao despedir-se: "Dou-vos a paz, deixo-vos minha paz" (Jo 14,
27). Entretanto, a humanidade hoje se suicida em guerras, terrorismos e
revoluções. E qual a causa? Não queremos aceitar a paz de Cristo.
Tal qual a caridade, a paz
começa na própria casa. Antes de tudo, é preciso construí-la dentro de nós
mesmos, dando à razão iluminada pela Fé o governo de nossas paixões. Sem essa
disciplina, entramos na desordem. Ora, vai se tornando cada vez mais raro
encontrar- se um ser humano no qual esse equilíbrio é procurado com base no
esforço e na graça. O espontaneísmo domina despoticamente em todos os rincões.
Vivemos os axiomas da Sorbonne de 1968: "É proibido proibir" -
"A imaginação tomou conta do poder" - "Nada reivindicar, nada
pedir, mas tomar, invadir". Eles pareciam ser para a humanidade uma pedra
filosofal de felicidade, sucesso e prazer... Que desilusão!
A paz deve ser a condição
normal e corrente para o bom relacionamento social, sobretudo na célula mater da sociedade, a família.
Eis um dos grandes males de nossos dias: a autoridade paterna se autodestruiu,
a sujeição amorosa da mãe se evanesceu e a obediência dos filhos foi carcomida
pelo capricho, desrespeito e revolta. Essas enfermidades morais, transpostas
para a vida da sociedade, redundam em luta civil, de classes e até mesmo entre
os povos.
A humanidade sofre essas e
muitas outras consequências do pecado de ter repudiado a paz de Cristo e
abraçado a paz do mundo, ou seja, o consumismo, o igualitarismo, o laicismo, a
adoração da máquina, etc.
Sentencia a Escritura:
"Não há paz - diz Javé - não há paz para os ímpios" (Is 57, 20).
"Curavam as chagas da filha do meu povo com ignomínia, dizendo: Paz, paz;
quando não havia paz" (Jer 6,14). Os milênios transcorreram e nos
encontramos novamente na mesma perspectiva de outrora, com uma agravante: corruptio optimi pessima (a corrupção do
ótimo resulta no péssimo). Sim, a rejeição da paz verdadeira trazida pelo Verbo
Encarnado é muito pior do que a impiedade antiga, e de consequências ainda mais
drásticas.
A ordem fundamental do
edifício da paz deriva essencialmente do Evangelho e do Decálogo, ou seja, do
amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a Ele (7). Daí floresce
a paz interior do homem e a harmonia com todos os outros, amados por ele com
real caridade. Esse é o melhor remédio para todos os males atuais, desde a
"epidemia" das depressões - enfermidade paradigmática de nosso século
- até o terrorismo. É indispensável reconhecermos em Deus nosso Legislador e
Senhor, pois, se ao longo da vida não existir a moral individual nem a
familiar, haverá menos ainda o verdadeiro equilíbrio social e internacional. O
caos de nossos dias no-lo demonstra em demasia.
Sendo a paz fruto do
Espírito Santo, fora do estado de graça, e da prática da caridade, não nos é
dado encontrá-la. Por isso quem se torna empedernido no pecado não pode gozar
da paz: "Mas os malvados são um mar proceloso que não pode aquietar-se e cujas
ondas revolvem lodo e lama. Não há paz - diz Javé - para os ímpios" (Is
57, 20).
O mesmo Isaías nos
proclama a prodigalidade e a grandeza da bondade de Deus para com os justos:
"Porque assim diz Javé: Vou derramar sobre ela (Jerusalém) a paz como um rio,
e a glória das nações como torrentes transbordantes" (Is 66, 12).
Essa é a razão mais
específica do fato de Jesus ter desejado uma segunda vez a paz a seus
discípulos. É Ele o autor da graça e, portanto, o autor da paz: "Cristo é
a nossa paz" (Ef 2, 14). "A graça e a verdade foram trazidas por
Jesus Cristo" (Jo 1, 17).
Após esse segundo voto de
paz, Jesus envia seus discípulos à ação, tornando claro o quanto é necessário
jamais se deixar tomar pelo afã dos afazeres, perdendo a serenidade. Um dos elementos
essenciais para o apostolado bem sucedido é a paz de alma de quem o faz.
Outro importante aspecto a
considerar neste versículo é a afirmação do princípio da mediação tão do agrado
de Deus. Jesus se apresenta aqui como o Mediador Supremo junto ao Pai e, ao
mesmo tempo, constitui os Apóstolos como mediadores entre o povo e Ele. Aqui
podemos medir quanto são enganosas as máximas igualitárias ao procurarem
destruir o senso de hierarquia.
22 E
depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: “Recebei o Espírito Santo.
Na festa de hoje se
comemora a descida do Espírito Santo sobre Maria e os Apóstolos a qual se
encontra tão bem narrada na primeira leitura (At 2, 1-11). Esse acontecimento
deu-se depois da subida de Jesus ao Céu e talvez daí decorre o fato de alguns
negarem a realidade do grande mistério operado por Ele na ocasião, narrada no
versículo em análise. Esse erro, mais explícito no começo do séc. VI, foi
solenemente condenado pela Igreja no V Concílio Ecumênico de Constantinopla, em
552: "Se alguém defende o ímpio Teodoro de Mopsuestia, que disse (...) que
depois da Ressurreição, quando o Senhor insuflou sobre os discípulos e lhes
disse ‘Recebei o Espírito Santo' (Jo 20, 22), não lhes deu o Espírito Santo,
senão que tão-só o deu figurativamente (...), seja anátema" (8).
"E depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse: 'Recebei o Espírito Santo'" (Jo 20,22) Pentecostes - Catedral de Valência (Espanha) |
O Espírito Santo não
procede somente do Pai, mas também do Filho. Ele é o Amor entre ambos. E como
definir o amor? É muito mais fácil senti- lo do que defini-lo. Dois amigos que
muito se querem, ao se encontrarem depois de longo período de separação, se
abraçam fortemente e cheios de alegria. O que significa esse gesto tão
espontâneo e efusivo, senão a manifestação de um amor recíproco? Os dois quase
desejam, nessa hora, uma fusão de seus seres. O interior das mães se desfaz, suas
entranhas parecem estar sendo arrancadas ao verem seus filhos partirem. Os que
se amam querem estar juntos e se olhar. E quanto mais robusto é o amor, maior
será a inclinação de se unirem.
Ora, quando os dois seres
que se amam são infinitos e eternos, jamais esse impulso de união poderá manter-se
dentro dos estreitos limites de uma mera tendência emocional, como muitas vezes
se passa entre nós homens. Entre o Pai e o Filho, esse Amor é tão vigoroso que
faz proceder uma Terceira Pessoa, o Espírito Santo.
Nossos amores, em não
raras circunstâncias, são volúveis. Deus, muito pelo contrário, porque se
contempla a Si próprio, Bom, Verdadeiro e Belo, eterna e irresistivelmente, Se
ama desde todo o sempre e para sempre, e, tal qual assevera Santo Agostinho,
desse amor faz proceder uma Terceira Pessoa infinita, santa e eterna, o Divino
Espírito Santo. O amor é eminentemente difusivo e por isso tende a comunicar-
se, a entregar-se. Curiosa é a diferença de forma empregada por uma e outra
Pessoa para se comunicar com os homens. O Filho veio a este mundo assumindo
nossa natureza em humildade e apagamento. Pelo contrário, o Espírito Santo, sem
assumir outra natureza, marca sua presença com símbolos de estrépito e
majestade. A face da terra será renovada por Ele, daí a manifestação do
esplendor, força e rapidez dos fenômenos físicos que acompanharam sua infusão
de graças nos que se encontravam reunidos no Cenáculo (conforme a 1ª leitura de
hoje, At 2, 1-11), porque eles deveriam ser Apóstolos e testemunhas. Era
preciso que fossem iluminados e protegidos, e soubessem ensinar. No Evangelho
de João, essa doação do Espírito Santo tem em vista a faculdade de perdoar os
pecados:
23 A
quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes
eles lhes serão retidos
Que grande dom concedido
aos mortais por meio dos sacerdotes: o perdão dos pecados! Por outro lado, que
imensa responsabilidade a de um Ministro de Deus! Dele diz São João Crisóstomo:
"Se o sacerdote tiver conduzido bem sua própria vida, mas não tiver
cuidado com diligência da dos outros, condenar-se-á com os réprobos" (9).
III - CONCLUSÃO
Quanto se fala de paz,
hoje em dia, e quanto se vive no extremo oposto dela! O interior dos corações
se encontra penetrado de tédio, apreensão, medo, desânimo e frustração, quando
não de orgulho, sensualidade e falta de pudor. A instituição da família vai se
tornando uma peça de antiquário. A ânsia de obter, não importa por que meio,
sem levar em conta o direito alheio, vai caracterizando todas as nações dos
últimos tempos. Em síntese, não há paz individual, nem familiar, nem no
interior das nações.
Eis porque nossos olhos
devem voltar- se à Rainha da Paz a fim de rogar sua poderosa intercessão para
que seu Divino Filho nos envie uma nova Pentecostes e seja, assim, renovada a
face da terra, como melhor solução para o grande caos contemporâneo.
1 )
Cf. João S. Clá Dias, E renovareis a face da Terra... in "Arautos do
Evangelho", maio 2002, pp. 5-10.
2 )
De considerat, 1. I C.2 apud São Bernardo, Obras selectas, BAC, p. 1.480
3 )
De doct. Christiana I, 4: PL 34, 21
4 )
De civitate Dei XIX 13: PL 41, 640 5 ) Cf. Suma Teológica II-II, q 29.
6 )
cf. Santo Tomas de Aquino, Suma Teológica, I-II, q 70, a 3c.
7 )
Cf. São Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, q 29, a 3.
8 ) Cânon 12 in Denzinger, Ench. Symbol. nº 224
9 )
São Tomás de Aquino, Catena Áurea, in Jo., c 20, l 3.
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