6 de fev. de 2020

Sagrada Família: razões providenciais da fuga para o Egito – 2


As semelhanças históricas entre José do Egito e São José

Infelizmente, o plano primitivo de Deus com relação ao Egito não se cumpriu, dada a constante infidelidade de ambos os povos – israelita e egípcio – como foi comentado no último artigo sobre este tema.[1]
Já a providencial ida de José, filho de Jacó, ao Egito havia sido uma tentativa de reativar esse projeto divino, objetivo em parte atingido com a grande influência adquirida pelo patriarca na corte do faraó, o que sem dúvida propiciou um influxo positivo sobre toda a sociedade egípcia.[2] Os acontecimentos posteriores, porém, derrubaram por terra o que teria sido uma interessante cooperação entre as duas nações, muito antes da vinda do Redentor.


Nessa perspectiva, o exílio da Sagrada Família no Egito apresenta-se, da parte de Deus, “como quem chama um povo dileto adormecido. Dir-se-ia que Nosso Senhor tinha pressa de ir ao Egito”.[3]
A partir dessas considerações, não é descabido encontrar uma ligação com José do Egito na imprevista viagem comandada por um varão de mesmo nome. O plano de Deus com essa fuga consistia em fazer com o Menino Jesus o mesmo que se dera com o filho de Jacó. Ali chegando, os egípcios não demorariam em relacionar esse judeu chamado José com o hebreu que, séculos antes, marcara a história de seu povo.[4] Se os descendentes dos súditos do faraó correspondessem à graça, São José e Nossa Senhora ganhariam a simpatia de todos, alcançando, mais uma vez, a cúpula do reino.
A princípio São José receberia encargos do próprio monarca, mas, quando Nosso Senhor crescesse, demonstraria tal sabedoria e tantos talentos extraordinários, que o governante e sua corte se converteriam ao judaísmo e se deixariam influenciar totalmente por Ele. O Egito tornar-se-ia um estado ainda mais cheio de esplendor temporal, acrescido das bênçãos decorrentes da presença da Sagrada Família. Com isso estaria criada a plataforma para o futuro apostolado do Divino Mestre durante a vida pública: sua fama chegaria a Israel, que emulava os progressos da nação egípcia, e quando Ele Se apresentasse ao povo eleito teria uma penetração muito maior. Desse modo, a expansão da primitiva Igreja dar-se-ia mais através do Egito, devido ao charme deste povo, que por meio de Roma, inicialmente chamada a um eficaz papel organizativo.




[1] MONS. JOÃO, Clá Dias. São José; quem o conhece? Ipsis, São Paulo, 2017. Pg. 285-289.
[2] Sendo os hebreus o único povo monoteísta da Antiguidade, sua influência no Egito talvez tenha apresentado como melhor fruto o aparecimento, no ano de 1364 a.C., de Amenhotep IV, mais conhecido como Akhenaton, um faraó monoteísta. Destoava ele das ideias de sua época e abalou o império faraônico até os alicerces, promovendo uma profunda revolução técnica, artística e, sobretudo, religiosa. Contudo, com a morte de Akhenaton, depois de dezessete anos de reinado, essa fase tão controvertida da história
egípcia chegou ao fim e seu povo voltou ao politeísmo, restabelecido por seus sucessores, principalmente pelo famoso Tutankhamon. Não obstante, “o reinado de Akhenaton, além de surpreendente, levanta diversas interrogações. Ele coincide com o período durante o qual se supõe que grande número de hebreus vivia nesse país. E, embora seguindo a opinião de estudiosos como Giacomo Perego, segundo o qual ‘qualquer reconstrução histórica desse período deve ser vista com muita cautela’, podemos levantar hipóteses com base nos indícios disponíveis, conforme é praxe em toda atividade científica”
(SAINT’AMANT, EP, Alejandro Javier de. Akhenaton: o faraó inovador. In: Arautos do Evangelho. São Paulo. Ano X. N.115 [Jul., 2011]; p.37).
[3] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 5 fev. 1981.

[4] São Bernardo mostra essa relação com a beleza que caracteriza sua pena: “Recorda também aquele grande patriarca, vendido no Egito, que não só se chamou como ele, como também se comparou em sua castidade, igualando-se por sua inocência e por seus dons. José, vendido por inveja de seus irmãos e levado ao Egito, prefigurou a venda de Cristo. Este outro José, fugindo da inveja de Herodes, levou Cristo até o Egito. José, para não trair a seu amo, resistiu ao pecado com a mulher de seu senhor. Este José reconheceu sua Senhora como Virgem e Mãe de seu Senhor. E mediante sua continência, custodiou-A em tudo fielmente. Ao patriarca foi concedido o dom de ler nos mistérios dos sonhos; em José foi infundida a graça de conhecer e participar ativamente nos mistérios divinos. Aquele armazenou o trigo, não para si mesmo, mas para todo o povo; este recebeu o Pão do Céu e o guardou para si e para todo o mundo”. (SÃO BERNARDO. In laudibus Virginis Matris. Hom.II, n.16. In: Obras Completas. 2.ed. Madrid: BAC, 1994, v.II, p.635.) Também Gerson faz o mesmo paralelo (cf. GERSON, Jean. Josephina. Paris: Enault et Mas, 1874, p.216).

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