4 de fev. de 2020

Sagrada Família: razões providenciais da fuga para o Egito – 1

"Na fuga para o Egito era a
Santa Igreja que, sozinha,
peregrinava pelo deserto."
Plinio Corrêa de Oliveira

Particular dileção de Deus
pelo povo egípcio


Quando o Evangelista descreve a fuga para o Egito, faz questão de apontar a realização de um oráculo de Oseias: “Para que se cumprisse o que o Senhor dissera pelo profeta: ‘Eu chamei do Egito meu Filho’ (Os 11, 1)” (Mt 2, 15).[1] A inclusão dessa particularidade no texto da Escritura indica a existência de profundos desígnios da Providência na eleição do antigo império dos faraós como destino da Sagrada Família.[2] Para melhor compreendê-los, serão de grande auxílio alguns comentários brilhantes de Dr. Plinio acerca desse fascinante povo. Dotado de finíssimo discernimento dos espíritos, especialmente penetrante em relação aos povos e à História,[3] suas análises deitam muita luz sobre o tema.[4]

Cada povo da Antiguidade possuía uma vocação
específica para reparar o plano rompido 
pelo pecado original
Moisés no Monte Sinai
Cada nação da Antiguidade possuía uma vocação específica com vistas a reparar o plano primeiro de Deus rompido com o pecado original. Se os gregos reluziam por um chamado peculiar para a filosofia, os romanos para o direito, e os hebreus eram o povo depositário da Revelação, aos egípcios, por particular dileção divina, coube receber a herança de determinados conhecimentos científicos do Paraíso, transmitidos por Adão e Eva a seus descendentes. Testemunha a favor dessa hipótese de Dr. Plinio o fato de ser “um povo que nunca é considerado em estado de pré-história. Não se descobriu um estado intermediário entre o homem da caverna e o Egito organizado”.[5] Eles, portanto, deveriam “guardar tudo quanto sabiam de sapiencial sobre a ordem do universo, vindo do tempo do Paraíso, e partir disso para construírem uma ordem temporal perfeita”.[6]

Não é preciso ressaltar o quanto as fantásticas realizações dos egípcios, até hoje enigmáticas para a ciência em seus pormenores, ganham sentido com essas afirmações. Por sua vez, a inegável atração exercida pelos mistérios do Egito provinha do encanto natural desse povo, mais tarde, infelizmente, muitíssimo aproveitado pelo demônio para conduzir certo filão de almas para o ocultismo.

Coube aos egípcios receber a herança dos
conhecimentos científicos do Paraíso, para formar
uma sociedade temporal perfeita
Israelitas se retiram do Egito
Constituída essa sociedade ideal, quando Nosso Senhor Jesus Cristo nascesse o orbe estaria impregnado dos maravilhosos conhecimentos custodiados e difundidos pelo Egito e, “em certo momento, o povo hebreu e o povo egípcio se encontrariam para dar-se a união do espiritual com o temporal”.[7] Por conseguinte, esta nação teria um papel central na primeira expansão do Evangelho, como o Sacro Império ou o Reino da França na Cristandade, servindo de arrimo, na esfera secular, para a Santa Igreja: “O Egito conservava uma continuidade com a justiça primitiva e era chamado a ser o povo da gentilidade que abriria os braços para Israel. Era a porta de Israel para o mundo”.[8]




[1] São João Crisóstomo crê que, com sua ida para o Egito, “o Senhor anunciava a toda a terra uma espécie de prelúdio de boas esperanças. Como na Babilônia e no Egito ardia o incêndio da impiedade, mais que em outras partes, ao mostrar o Senhor, desde o princípio, que os haverá de corrigir e melhorar, persuade a terra inteira a ter boa esperança. Por isso manda os Magos para as terras da Babilônia e Ele mesmo, com sua Mãe, vai para o Egito” (SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, op. cit., n.2, p.149).

[2] Neste sentido, Salmerón faz interessantes comentários a respeito da fuga para o Egito: “Causam admiração algumas considerações sobre essa fuga: Quem foge? O Verbo Eterno Encarnado, a quem nada pode vencer; e, se parecer vencido, é para ressurgir maior e vencer com mais glória. De quem foge? De homenzinhos comparáveis a vermes, mais débeis que formigas. Para onde foge? Para o Egito, terra bárbara, pela qual os hebreus alimentavam um ódio antigo, terra proibida aos hebreus, para que Herodes nem sequer imaginasse que haviam fugido para lá. Para quê? Para mostrar-Se verdadeiro Homem, que assumiu carne verdadeira, submetida ao temor e a outras perturbações. Quis ser em tudo semelhante aos irmãos, indicando que vida o Pai determinou para o seu Filho, cheia de perigos e preocupações. Para revelar, desde o início, que seu Reino não era deste mundo. Para que, pelo furor causado em Herodes, aumentasse sua divina glória, pois era desígnio divino exaltar seu nome, vencendo deste modo. Para dizer, com essa fuga, que o Reino de Deus passou dos judeus aos gentios” (SALMERÓN, (SALMERÓN, SJ, Alfonso. Commentarii in Evangelicam Historiam et in Acta Apostolorum. Tractatus XXX. Coloniæ: Antonium Hierat & Ioannem Gymnicum, 1602, t.III, p.406).

[3] Tendo convivido quarenta anos com Dr. Plinio, o Autor dá testemunho de seu profundo discernimento dos espíritos, não só das almas individualmente, como, sobretudo, dos povos e da História (cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. O dom de sabedoria na mente, vida e obra de Plinio Corrêa de Oliveira. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2016, v.III, p.437-510; v.V, p.127-204).

[4] Cf. MONS. JOÃO, Clá Dias. São José; quem o conhece? Ipsis, São Paulo, 2017, p. 285-289.

[5] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São Paulo, 5 fev. 1981.

[6] Idem, ibidem.

[7] Idem, ibidem.

[8] CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conversa. São Paulo, 25 out. 1981.






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