sofra
mais
Criança meiga e piedosa, Jacinta sempre se condoía e chorava, ao
ouvir a narração dos sofrimentos que se abateram sobre nosso
Divino Redentor na
Paixão
Lúcia, Francisco e Jacinta
nutriam grande benquerença mútua, e sua verdadeira felicidade consistia em
passarem os dias juntos. Todas as tardes, os três eram vistos saindo pelos
campos de Aljustrel, entre oliveiras e azinheiras, numa roda contínua de
brincadeiras e de cantos. Quando se cansavam, Lúcia repetia para os primos
algumas das histórias de fada que aprendera.
Certa vez, em casa dos
pais de Lúcia, os três se entretinham no jogo das prendas, um dos preferidos de
Jacinta. Nessa disputa, quem perde fica obrigado a realizar uma determinada
tarefa ordenada pelo vencedor. Ela gostava de mandar os outros correrem atrás
de borboletas ou apanhar uma flor de sua escolha. Entretanto, coube-lhe naquele
dia obedecer ao desejo da prima, que saíra vitoriosa. Lúcia, vendo um de seus
irmãos ali perto, ordenou à pequena que fosse lhe dar três abraços e três beijos.
- Isso não! – protestou Jacinta.
– Mande-me fazer outra coisa. Por que não me manda beijar aquele Nosso Senhor
que está ali?!
Era um crucifixo que
estava pendurado na parede.
- Está bem – respondeu Lúcia.
– Suba numa cadeira, traga-o até aqui e, de joelhos, dê-lhe três abraços e três
beijos: um pelo Francisco, outro por mim, e outro por você.
- Em Nosso Senhor dou
todos os que você quiser.
Dizendo isso, correu até o
crucifixo. Beijou-o e abraçou-o com tanta devoção, que Lúcia nunca mais se esqueceria
desse gesto. Jacinta deteve-se a observar com atenção a imagem do Crucificado,
e perguntou:
- Eu não vou fazer nunca nenhum pecado! Decisão da pequena Jacinta, após Lúcia narrar a história da Paixão Monsenhor João Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho, osculando as chagas de Nosso Senhor |
- Por que Nosso Senhor
está assim pregado numa cruz?
- Porque morreu por nós.
- Conte-me como foi.
Cativante narradora, Lúcia
transmitiu à prima o que conhecia da história da Paixão. Ao ouvir a descrição
dos sofrimentos de Jesus, a pequenina enterneceu-se até as lágrimas. E, muitas
vezes depois, pedia que lhe repetisse essa história. Sempre chorava,
compadecida, e em sua candura de alma dizia:
- Coitadinho de Nosso
Senhor! Eu não vou fazer nunca nenhum pecado! Não quero que Nosso Senhor sofra
mais!
Eis aí um tocante exemplo
da retidão e candura de alma de Jacinta.
Era uma menina com o
físico natural das crianças de sua idade: bem desenvolvida, robusta, mais magra
que gorda, o rosto bronzeado pelo sol da serra. Protegidos por acentuadas sobrancelhas,
reluziam-lhe na face de curvas gentis dois olhos grandes e castanhos,
exprimindo toda a vivacidade que a animava. Tinha um coração com muito boas
inclinações, enriquecido com um caráter doce e meigo, que a tornava amável e
atraente.
Com frequência, ao
entardecer ela saía para o terreiro à frente de sua casa e ali admirava a
beleza do pôr-do-sol e o surgimento do céu estrelado. Entusiasmava-se com as
lindas noites de luar e competia com o irmão e a prima para ver quem era capaz
de contar as estrelas, às quais chamavam de lamparinas ou candeias dos anjos. A
lua era a de Nossa Senhora, e o sol, a de Nosso Senhor. Francisco era entusiasta
do sol, mas Jacinta às vezes dizia:
- Ainda gosto mais da
candeia de Nossa Senhora, que não nos queima nem cega.
E a de Nosso Senhor, sim
...
Não obstante essa
preferência, manifestava-se diversas vezes, com gestos e expressões
comovedoras, seu intenso amor a ”Jesus escondido” (como os três se referiam ao
Santíssimo Sacramento), ardendo no desejo de recebê-Lo, o quanto antes, na
Primeira Comunhão. À espera desse momento, tinha especial prazer em imitar o
Divino Redentor, como lembra a Irma Lúcia:
“Jacinta gostava também
muito de agarrar os cordeirinhos brancos, sentar-se com eles no colo, abraçá-los,
beijá-los, e, à noite, trazê-los ao colo para casa, a fim de que não se cansassem.
Um dia, ao voltar, meteu-se no meio do rebanho.
- Jacinta – perguntei-lhe
-, para que você vai aí, no meio das ovelhas?
- Para fazer como Nosso
Senhor, que, naquele santinho que me deram, também está assim, no meio de
muitas, e com uma ao colo!...”
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