À entrada de sua tenda, em Canaã, um ancião contemplava o céu, à noite, com sua esposa, também de idade avançada. Deus lhes havia prometido uma descendência mais numerosa que as estrelas (cf. Gn 15, 5), das quais apenas uma pequena parte aparecia diante dos seus olhos. E a promessa começava a ser cumprida: a idosa senhora dera milagrosamente à luz o filhinho que os acompanhava e dava, naqueles dias, seus primeiros passos.
Tendo Isaac crescido,
Deus pede a Abraão o inimaginável: que Lhe oferecesse como vítima em
sacrifício esse herdeiro da promessa! Sem hesitar nem perder a
serenidade, contendo a dor, o ancião patriarca se dispõe a executara
ordem divina… Só no último momento surge um Anjo para segurar o braço do
sacrificador (cf. Gn 22, 10‑12)!
“A vida do homem sobre a Terra é uma luta” (Jó 7, 1), disse Jó.
Com
efeito, o pecado original estabeleceu o sofrimento como regra da
existência terrena (cf. Gn 3, 17‑19) e, desde então, a única forma de
vencer nessa luta é saber impostar a própria alma frente à dor. Quem
compreende ser esta inerente à nossa condição humana e a aceita com
espírito sobrenatural, vive com calma, alegria e bom humor; quem, pelo
contrário, procura fugir de qualquer padecimento, é permanentemente
atormentado pela mera perspectiva de vir a sofrer.
O homem de
fé encontra na dor o pleno significado de sua existência, pois avida
humana se assemelha a certas flores, que só dão o melhor do seu perfume
quando esmagadas; ou ao trigo, que precisa ser moído para se transformar
em pão; ou ainda à semente lançada na terra para assim frutificar.
Enquanto
uma pessoa não enfrenta a provação, ela é uma incógnita; pode suscitar
esperanças, jamais certezas. Só após ter enfrentado e vencido o
sofrimento, mostra seu verdadeiro valor. Porque em todos os aspectos de
nossa existência, a dor é a condição e o preço da vitória. Paulo Eduardo Roque Cardoso
Em certas
circunstâncias, até para o mais perfeito dos homens, faltam as forças
naturais. Necessita ele, portanto, de um auxílio sobrenatural, com o
qual pode tudo (cf. Fl 4, 13). Para não ser um derrotado, ele precisa
rezar e alimentar-se com o Pão dos fortes: a Sagrada Eucaristia.
Quem
compreende quanto é natural sofrer, pode até gemer, e pedir a Deus que
afaste a dor, mas se aclimata a ela como no seu ambiente próprio. O
sofrimento bem aceito dá esta alegria, esta serenidade que os antigos
chamavam consolação, em meio a uma nobre tristeza. Paulo Eduardo Roque Cardoso
* * *
Imaginemos
agora Abraão e Isaac, voltando engrandecidos da terrível provação,
depois de tão belo ato de obediência que transformara sua angústia em
alegria e gratidão. Além da promessa reconfirmada, eles trazem na alma
nova plenitude de bênçãos e penhores da amizade divina (cf. Gn 22,
16‑18). E, chegada a noite, Sara e eles contemplam o céu, para novamente
contar as estrelas.
(Publicado originalmente na revista “Arautos do Evangelho”, nº 203.
Fevereiro de 2015, p. 5. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Wiki, freepickcom
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